Desde que você é pequeno os filmes da Disney te contam a mesma história: de um lado a princesa, de outro a bruxa má. Há forças malignas que tentam levar o mundo para o caos. E, finalmente, aparece um personagem, normalmente com forças sobrenaturais, que resolve o caso. Difícil não levar para a vida adulta – e para a vida política – um modelo parecido, em que há heróis e vilões.
Esse tipo de pensamento binário faz muita gente imaginar que só um partido presta – e que o outro só tem bruxas más. Faz imaginar que uma classe de pessoas inteira (os políticos, por exemplo) só tem podres que merecem morrer cozidos no caldeirão e que o melhor é chamar o super-herói que possa resolver tudo de uma vez, acabando com as forças malignas que tanto nos atrapalham.
A democracia é uma das melhores invenções da humanidade – ao lado do chocolate, da música e da penicilina. Mas exige um certo empenho de todas as partes. Viver numa democracia exige que você negocie e que você acredite que o seu vizinho não é um vilão de filme da Disney. É preciso acreditar que todos nós (ok, com algumas exceções) podemos nos entender e chegar a consensos mínimos sobre como nossa vida – nossa vida social – pode ser melhor.
Na representação da política que muita gente faz usando o tal modelo da Disney, os políticos são feiticeiros cruéis com pintas no nariz e que voam em vassouras noite adentro. Para uns, a solução estaria num determinado partido, aparentemente composto de vestais, que chegaria ao poder (ou o manteria) e faria toda a diferença, devolvendo o Mal ao inferno de onde ele nunca deveria ter saído. Uma visão ainda mais bizarra é a de quem vê os militares como sendo o equivalente do sujeito que chega sobre um cavalo branco para beijar a princesa – ou salvar o país.
No mundo real, ninguém é tão mau nem tão bom. Nenhum partido é a salvação, e nenhum é uma coletânea de diabos ensandecidos. Política não é religião, e também não é conto de fadas. Para viver bem em sociedade, é preciso aprender que as coisas não funcionam nessa chave de duas posições. Há meios termos, regiões de cinza e pessoas que às vezes podem estar certas e às vezes podem estar erradas.
Querer calar o vizinho, resolver o problema com o colega de escola no braço ou simplesmente virar de costas para não ter que negociar (ainda por cima colocando a mão sobre as orelhas para mão ouvir) são coisas de criança. Chamar os militares para resolver aquilo que deveríamos resolver nas urnas – e na conversa pública, por meio de jornais, universidades, internet – é algo inaceitável.
O fato de 45% dos manifestantes entrevistados pelo Instituto Paraná Pesquisas no domingo terem dito que aceitariam uma “intervenção militar” para retirar do poder o atual governo não mostra nenhum avanço, nenhuma politização, em relação a nossos impulsos mais básicos de resolver as coisas na base do decreto. Todos têm direito de se pronunciar contra o governo, de ir às ruas, gritar e tentar argumentar, inclusive, a favor do impeachment, se houver elementos para isso. Os que fizeram isso no domingo e disseram que são contra intervenções de militares exerceram sua cidadania.
Pedir que a regra do jogo seja descumprida, apelar para os militares ou para qualquer outra solução fora do que permite a Constituição não torna ninguém cidadão. Pelo contrário. Elimina o pressuposto básico da cidadania, que é o de sermos razoáveis e racionais.
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