Um mal entendido – para a CNI, não passou disso. O presidente da principal confederação patronal da indústria brasileira nunca falou que queria elevar a carga horária dos trabalhadores brasileiros. Muito menos para oitenta horas, como se divulgou: ele estava apenas citando o exemplo da reforma trabalhista francesa (com que objetivo, se não era para pedir o mesmo aqui, nunca ficou claro).
De fato, Robson Andrade nunca falou nas 80 horas. Mas o mal entendido só aconteceu porque há muito a CNI e suas coirmãs vêm dizendo aqui e ali que é preciso flexibilizar as leis trabalhistas brasileiras. Sempre com o argumento de que a produtividade precisa aumentar. De que não somos competitivos porque a lei impede que nossas empresas tenham condições de superar relações antiquadas de trabalho que nos mantêm num grau menor de desenvolvimento.
O aumento da carga horária na França (para 60 horas e só em casos excepcionais, ao contrário do que a CNI quis fazer parecer) não saiu meramente da cabeça de jornalistas. Está no ar. E quem o pôs em discussão foi justamente esse discurso das leis proibitivas.
Para quem cai nessa conversa, valeria a pena ler Economia: Modo de Usar, do professor Ha-Joon Chang, de Cambridge. Nele, o mito das horas trabalhadas é atacado de dois lados. Primeiro, para rebater a história de que certos povos são mais preguiçosos (ah, os velhos preconceitos...).
Chang mostra que os países desenvolvidos hoje têm carga horária menor do que o antigo (será mesmo antigo?) terceiro mundo. Na sua Coreia do Sul nativa, por exemplo, onde o limite é muito mais alto do que na Europa, trabalham-se 42 horas. Menos do que no México, por exemplo.
“Esses números revelam que os estereótipos culturais das pessoas que trabalham pesado e das que não o fazem frequentemente estão completamente equivocados”, diz o professor. “Os mexicanos, vistos como os arquetípicos ‘latinos preguiçosos’ nos Estados Unidos, na verdade trabalham por mais tempo do que as ‘formigas trabalhadoras’ coreanas.”
Segundo o economista, esses mitos surgiram porque realmente em algum momento do passado países europeus tinham cargas horárias altas. Mas conforme a produtividade foi aumentando com a tecnologia e a mecanização, os trabalhadores foram tendo sua vida facilitada.
Mas há outra explicação, diz ele. “As pessoas muitas vezes se enganam ao crer que a pobreza é o resultado da preguiça e assim automaticamente presumem que as pessoas em países pobres são mais preguiçosas. Mas o que torna essas pessoas pobres é a baixa produtividade delas, o que raramente é culpa delas.”
E de quem é a culpa? Começa por entender que fatores aumentam a produtividade de fato. “O que é mais importante para determinar a produtividade nacional é o capital que o país tem em equipamentos, tecnologias, infraestrutura e instituições, que são coisas que na verdade os pobres não podem fornecer por conta própria. Então, se alguém tem que levar a culpa, são os ricos e os poderosos em países como a Grécia e o México, que têm controle sobre esses fatores determinantes da produtividade mas fizeram um mau trabalho ao fornecê-los em quantidade e qualidade suficientes.”