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A cidade ficou em polvorosa com o julgamento de Fernando Carli Filho. A morte cruel e desnecessária de dois jovens, seguida de todos os indícios de irresponsabilidade por parte do deputado, tornara Carli Filho uma espécie de inimigo público número 1. Todos querem vê-lo punido. Sua condenação, se vier, e tudo indica que virá, será vista como um símbolo do fim da impunidade (quem dera!) dos políticos.

É compreensível o clima de revolta. É saudável que a cidade se rebele contra tudo isso. E é de se esperar que culpados por crimes como esse sejam punidos duramente. O que exaspera, porém, é ver que nem mesmo um caso chocante como esse foi capaz de fazer crescer em nós alguma consciência da responsabilidade que temos uns sobre os outros. A tragédia ocorreu e abalou a cidade. E mesmo assim os cidadãos continuam os mesmos de antes.

A prova de nossa burrice – e peço desculpas pelo termo, mas é difícil achar outro – está no desligamento dos radares da cidade. Por um erro grotesco da prefeitura de Curitiba, a licitação para escolher a substituta da Consilux, operadora dos radares, não ficou pronta a tempo. E o contrato temporário feito entre as partes foi questionado pela Justiça. Resultado: durante dezembro e janeiro a cidade ficou sem os pardaizinhos funcionando.

E o que fizemos nós? Tendo aprendido com o caso Carli resolvemos que era necessário seguir as regras de trânsito? Aprendemos que andar acima da velocidade pode matar gente inocente? Que nada. Enfiamos o pé no acelerador! Se não há radar, para que respeitar a lei? A regra que me desculpe, mas quero chegar mais cedo em casa, ou no meu compromisso. O Código de Trânsito que se lixe: vou andar a 80 km/h e quero ver quem é que me pega.

Nossa burrice foi mostrada em números. Em um só dia, mais de 10 mil motoristas passaram pelos radares desligados acima da velocidade. Nossa hipocrisia foi registrada a olho nu: quantos carros em alta velocidade não traziam atrás um adesivo dizendo que andar acima da velocidade é crime?

Dizem alguns que não é a mesma coisa. O deputado andou muito acima do limite. E bebeu muito. "Eu ando só a 75 km/h, sei o que estou fazendo", diz um. "Ah, mas eu bebi só duas latinhas, me garanto", diz outro. A verdade, porém, é que não interessa. Andar acima da velocidade é sempre uma irresponsabilidade. Dirigir bêbado ou falando ao celular é sempre contra a lei. Não existe meio termo. Roubar R$ 200 não é a mesma coisa que roubar R$ 2 milhões. Mas ambos são roubo.

O resumo da ópera é o seguinte: é claro que temos de nos enfurecer quando morrem dois jovens desnecessariamente. Mas não podemos deixar de refletir sobre nosso comportamento a partir disso. Se furamos semáforos, se passamos da velocidade, se toleramos nossos "pequenos desvios", se achamos que os erros dos outros têm de ser punidos desde que nos deixem o direito de persistir nos nossos, alguma coisa está errada.

Carli tem de ser julgado. Tem de arcar com as consequên­­cias dos seus atos. Mas seremos simplesmente hipócritas se ficarmos pedindo a cabeça do deputado e não nos corrigirmos. Afinal, exigimos que nossos políticos sejam corretos. E devemos fazer isso. Mas temos todos de fazer a nossa parte.

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