Parece que, no fim das contas, o projeto que criava o feriado da Consciência Negra é inconstitucional. Os municípios têm pouca liberdade para criar feriados e o Tribunal de Justiça pode ter tido razão em cancelar o que a Câmara havia feito. Essa é a discussão jurídica. No entanto, a cidade deveria aproveitar o momento para discutir uma ou duas coisinhas ligadas ao assunto. Não só à consciência negra em si. Vejamos.
Quem entrou com a ação que acabou derrubando o feriado foi a Associação Comercial do Paraná (ACP). Representante dos comerciantes, a ACP disse com todas as letras que estava preocupada com a perda financeira que mais um feriado traria para a cidade. Seriam R$ 160 milhões, segundo os cálculos. Nem é o caso de saber se a conta faz sentido ou não (provavelmente quem deixasse de comprar algo na quarta compraria na quinta, mas vá lá).
A associação, como não podia ir ao Judiciário só alegando questões econômicas, achou lá um vício de origem na proposta e conseguiu o que queria. Mas claramente a intenção era barrar o feriado pela razão financeira. Faz sentido. Capitalismo é assim. Adam Smith já disse mais de dois séculos atrás que não é da bondade do padeiro que devemos esperar o nosso jantar, mas sim da defesa do interesse dele. Cada um defende o seu.
Não me parece que a decisão da ACP (muito menos a do tribunal) seja racista. É simplesmente pragmática. Mais um feriado? E ainda mais um feriado em que não há previsão de as pessoas trocarem presentes? Ter que pagar os funcionários para que eles fiquem em casa? Para quê? No raciocínio de quem vive para a caixa-registradora, parece uma inutilidade parar tudo para celebrar a consciência de uma parcela da população, seja ela negra ou não. Mas isso pode passar a enganosa e perigosa impressão de que tudo no mundo se mede pelo seu preço em moeda corrente.
Lembre que a ACP foi a mesma que criou o impostômetro: um painel gigante no Centro de Curitiba lembrando a cada um de nós o quanto já pusemos naquele ano de nosso rico dinheirinho nos cofres do governo. Claro que ninguém fica feliz em pagar tantos impostos, mas somando as coisas vai-se percebendo que há um padrão. Uma preocupação com o financeiro e com quem fica o dinheiro, mais do que com o uso que se dá a ele.
Pôr preço na cidadania é algo perigoso. Quanto custa cobrir todas as valetas a céu aberto de Curitiba? E dar educação em tempo integral para as crianças? Contratar mais médicos para os postinhos e diminuir a fila, de modo que o cidadão não precise esperar um ano por uma consulta no SUS? Sim, senhores, tudo no mundo custa. Para quem quer viver na civilização, custa impostos. Para quem quer lembrar a história de um povo que ajudou a construir essa cidade, pode custar um feriado.
Não se trata de abolir o capitalismo, nem mesmo de questioná-lo. Do centro do poder da nação mais capitalista do mundo, o presidente Kennedy disse há mais de meio século que os americanos não deviam perguntar o que o país deveria fazer por eles, mas sim o que eles podiam fazer por seu país. Nós podemos fazer algumas coisas pelo nosso país: incentivar a cidadania e homenagear os que sofreram por nós estão entre elas.
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