Nos próximos dias, os jornais do mundo todo serão inundados de notícias sobre Cuba. É que, no primeiro dia de 2009, será o aniversário de cinco décadas da revolução promovida por Fidel Castro. As bandeiras estarão nas janelas. Raúl Castro, em nome do irmão doente, fará discursos louvando o povo e os revolucionários. E os analistas tratarão de descrever, em detalhes, como será a substituição do atual governo, que há de cair assim que Fidel se for.
Não sou dado a profecias. Não sei como será o futuro de Cuba. Sei, porém, que em pouco tempo o país se tornará novamente capitalista, receberá em seguida milhões de dólares de expatriados que retornarão a Havana e bilhões de governos ocidentais interessados não em reconstruir o país, como dirão mas em apagar do mapa esse último espantalho que sobrou do socialismo em nosso planeta.
O mundo conheceu sua primeira revolução comunista oito décadas atrás, na Rússia. E a idéia se espalhou rápido como poucas outras. Segundo o historiador Eric Hobsbawm, o avanço do comunismo na primeira metade do século 20 só tem um comparativo possível na História: o primeiro século do Islã, que avançou Ásia, África e até Europa adentro poucos anos depois da morte de Maomé.
Cuba foi a experiência mais duradoura do gênero nas Américas. E foi também a última utopia de que se tem notícia por essas bandas. Somos um mundo cada vez mais pragmático. Acreditamos que é possível melhorar o mundo: ainda que não seja para todos. Acreditamos em teorias econômicas que prometem menos inflação: ainda que para isso seja necessário aumentar o desemprego. Acreditamos que é necessário crescer: ainda que isso nos custe boa parte da proteção que, ao longo das décadas, conseguimos criar para nossos trabalhadores.
Cuba, a de Fidel, era o contrário do pragmatismo. Era um sonho. É difícil não se emocionar lendo o que Sartre escreveu sobre a ilha. Aqueles revolucionários, dizia ele, em 1960, poderiam não ver um único dia de 1970, dado o esforço colossal, a falta de sono, as privações que se impunham em nome de seu projeto. Mas estavam vivendo cada dia em nome de um ideal, e isso valia tudo.
Nada disso sobrou. Fidel não só viu 1970 como chegou a 1980, 1990, 2000 como um verdadeiro paxá, cínico e cruel, quando necessário para perpetuar-se no poder. E agora, combalido, acompanha as cerimônias em homenagem a seus feitos. Mas as cerimônias são ocas. São estatais. São programadas. Muitos celebram contra sua vontade queriam mesmo era estar em Miami. Outros celebram Fidel, sim: mas o jovem que derrubou Fulgêncio Batista, não o imperador autoritário que ele próprio se tornou.
Os analistas, pragmaticamente, escreverão nos jornais, nos próximos dias, que o regime de exceção está por acabar. E, sim, a volta da democracia será um grande motivo para comemorações. A democracia é, sempre, o melhor regime possível, e nada justifica a sua ausência.
Mas eu não consigo deixar de imaginar que alguma outra utopia seja possível: uma utopia democrática, responsável, que não resvale para o personalismo, e que seja capaz de empolgar de novo o mundo, um povo, de levar de novo às ruas e a campo os intelectuais.
Ou talvez o mundo não seja mesmo um sonho. E a coisa certa a fazer seja ouvir o bam-bam-bam da vez da economia. Ele nos apontará qual é o índice a perseguir.