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Deputado é como filho adolescente: quando fica fora até mais tarde, é pouco provável que esteja fazendo coisa que presta. Os nossos deputados estaduais comprovaram isso na semana que passou. De quarta para quinta-feira fizeram uma longa jornada para encerrar o ano legislativo. Alguma coisa não cheirava bem. Deputado estadual fazendo jornada longa não parece natural.

A explicação veio na madrugada. Sem avisar ninguém, a Assembléia botou em discussão (como se discussão fosse haver) um projeto para, pasme!, beneficiar a própria conta bancária. Trata-se do velho sonho parlamentar da aposentadoria polpuda e precoce. Na verdade, todo ser humano sonha com isso. É uma espécie de Eldorado que todo mundo vai atrás. Mas não há um caminho natural para isso. Os nossos deputados, porém, descobriram um atalho.

O plano prevê que os deputados podem se aposentar a partir de cinco anos de contribuição. Veja bem: você pode achar pouco. Um trabalhador normal precisa hoje de 35 anos contribuindo para receber algo do INSS. Mas há que se perceber que o trabalho de um deputado é demasiado estafante.

São três sessões por semana – seriam quatro, se quase todos não cabulassem as sessões de quinta pela manhã. Cada uma dura, em média, três horas. São cerca de 40 semanas de reuniões por ano. Fazendo a conta, são 360 horas por ano. Em cinco anos – período mínimo para a aposentadoria – somam-se inesgotáveis 1,8 mil horas de trabalho.

Um trabalhador normal, como eu e você, cumpre essa carga em um ano. É claro: tirado o sarcasmo, há de se considerar que o trabalho de um legislador é realmente importante para o país. Mas, convenhamos: aprovar benefícios especialíssimos para alguém, quem quer que seja, é algo que deve ser repudiado em uma sociedade em que, na teoria, todos são iguais a todos.

O que irrita é que a Assembléia Legislativa vai usar os nossos tostões para pagar a viagem coletiva dos deputados ao Eldorado previdenciário. É dos cofres públicos que vai sair a contrapartida à suada contribuição parlamentar.

E o que irrita mais ainda é saber que, ao invés de se moralizar, de jogar limpo com os eleitores, os deputados continuam preferindo os caminhos escusos, secretos, das votações madrugueiras, na calada da noite, para conseguir o que querem para si. Se pudessem, teriam apenas publicado a decisão no secretíssimo Diário Oficial da Assembléia, mais difícil de achar do que a figurinha premiada das balas Zequinha. Como a regra do jogo não permite, fizeram a votação no silêncio noturno do plenário.

Para votar o que realmente interessa, como a tal emenda à Constituição que garantiria mais transparência aos poderes do estado, os deputados não fizeram um mínimo esforço. Nem um minuto de hora extra. Não trabalharam de madrugada, de noite ou mesmo de manhã. Deixaram tudo mofando na gaveta. Para aprovar sua própria aposentadoria, foram até altas horas em plenário.

Sei não. Acho que a partir de agora só vou dormir tranqüilo depois de ligar para a Assembléia Legislativa. Vou perguntar, antes de ir para a cama, se os deputados já deixaram o plenário. E só prego os olhos ao saber que eles chegaram em casa, deixando em paz o meu bolso.

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