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Surgiu uma chance de Dilma Rousseff ajudar a fazer história. Para isso, o primeiro passo seria deixar de prestar atenção às picuinhas de quem só quer cargos e moleza em Brasília e parar por cinco minutos para ler o artigo que Muhammad Yunus escreveu para o jornal inglês The Guardian.

Yunus ficou conhecido mundialmente por ter criado um "banco para os pobres". Emprestou dinheiro miúdo a juros baixos para multidões, salvando- as da pobreza e dando uma chance de as pessoas começarem a vida ou um negócio. Ganhou o Nobel da Paz e se tornou um respeitado comentador do capitalismo em nossos tempos.

Nascido em Bangladesh, a tragédia de Savar, que matou mais de mil trabalhadores deve ter doído nele ainda mais do que dói em qualquer um de nós. Yunus escreveu seu artigo para dizer que a solução não pode ser o fim da indústria têxtil local. Não adianta a Disney, por exemplo, que lucrou comprando roupas a preço de banana, anunciar agora, depois do escândalo, que está saindo e simplesmente abandonar o barco.

Pois bem. A proposta de Yunus é a criação de um salário mínimo internacional. Segundo ele, poderia ser algo em torno de US$ 0,50 por hora. Ou seja: R$ 1,00 a cada hora trabalhada, o que segundo ele é o dobro do que se recebe hoje por lá, para quem trabalha para grandes grifes, inclusive. Mesmo com esse aumento, veja bem, o sujeito trabalharia 12 horas por dia, 25 dias por mês, e só receberia R$ 300, menos da metade de um salário mínimo brasileiro.

Não foi à toa que o papa Francisco disse que se trata de trabalho escravo. Esse pessoal se esfalfa para produzir roupas que em Nova York são vendidas a US$ 35. Custaria pagar US$ 35,50, ele pergunta? Os outros US$ 0,50 seriam para forrar um fundo de ajuda aos trabalhadores. Ninguém nem notaria a diferença de preço, quase, e estaríamos a caminho de evitar novos desmoronamentos. O fundo, com esses meros R$ 0,50, teria US$ 1,8 bilhão por ano.

Onde entra Dilma na história? Yunus diz que não espera que a adesão seja completa num primeiro momento. Mas seria importante que alguns nomes de peso entrassem numa campanha pelos trabalhadores de todo o mundo. A Igreja começou a fazer sua parte. O governo brasileiro poderia dar apoio formal à ideia.

O Brasil comprou em 2012 US$ 187 milhões de Bangladesh. Cerca de 86% disso era de roupas. E as grifes daqui estão apenas começando a aproveitar o trabalho barato de lá: de 2011 para o ano seguinte, o valor das importações mais do que dobrou. Por enquanto, as lojas brasileiras ficam só com 0,5% do que se produz em lugares como Savar, mas a proporção está aumentando e o país poderia dar o bom exemplo.

Para quem estiver se perguntando o porquê de nós termos de nos preocuparmos com isso, ficam algumas possíveis respostas. Primeiro, marcas que atuam por aqui, como Zara, C&A e Walmart estão entre as grandes clientes de Bangladesh. Você pode ter algo feito em Savar na sua casa, sem saber. Segundo, se o salário melhorar em outras partes do mundo, deixando de haver trabalho escravo, a competição fica menos desleal e o Brasil tem chance de vender mais lá fora. Terceiro, e mais importante: somos todos humanos, e ficarmos impassíveis diante da tragédia não deveria ser uma possibilidade.

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