O mais belo discurso de John McCain na campanha presidencial norte-americana de 2008 foi o último. Em sua terra natal, o Arizona, tinha a missão de anunciar aos correligionários a vitória do oponente, Barack Obama, odiado por nove em cada dez republicanos.

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"Há pouco, liguei para o senador Obama para cumprimentá-lo pela vitória", disse. Uma multidão de republicanos, enfurecida, começou a vaiar. McCain manteve a calma, pediu silêncio, e continuou. Fez um discurso de nove minutos que terminou com uma aula de civilidade e boa política. "Desejo boa sorte ao homem que foi meu adversário e que, agora, será meu presidente."

Obama, quando precisou, soube igualmente manter a cabeça no lugar. Quando assumiu a presidência, num país tremendamente dividido como os EUA, começou a ser criticado pelos republicanos. Pergun­­taram a ele se o fato de ele ser negro tinha a ver com isso. Poderia se fazer de vítima. Sua resposta se tornou um clássico da elegância racial. "Eu já era negro quando fui eleito", disse.

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Mesmo com esse bom comportamento dos homens públicos, que não tentam aprofundar ainda mais as divisões dos EUA, o país vive um grande problema. Direitistas extremados formam movimentos radicais como o Tea Party, que faz manifestações virulentas contra a Casa Branca. O presidente é chamado por jornalistas de extrema direita de "imã Hussein Obama", e assim por diante. Imaginem se os candidatos tivessem atiçado o pessoal.

No Brasil, Dilma, Serra e, principalmente, seus correligionários mais fervorosos precisam respirar fundo e tomar uma ducha fria por dia até o fim do segundo turno para esfriar os ânimos. Antes que a temperatura suba demais e crie uma divisão incontornável entre os eleitorados dos dois.

Nos últimos dias, a campanha tomou um rumo perigoso. Vive-se uma demonização dos dois candidatos. De um lado, Dilma é tratada como o súcubo abortista que eliminará os valores da família, da liberdade e da propriedade. De outro, Serra é atacado como o íncubo privatista que venderá o patrimônio do Brasil para torrar o dinheiro com as elites em algum outro lugar do planeta.

A maior parte das alucinações parte dos militantes de um lado e de outro. Fazem circular e-mails com mentiras escabrosas ou agressões desnecessárias. Alguns até falam verdades (como no caso do aborto, em que Dilma realmente esconde que já se posicionou publicamente a favor da legalização), mas a interpretação que se dá é sempre a do Apocalipse, a da chegada do fim dos tempos. Ofende-se os candidatos a tal ponto que se chega a pensar que só alguém muito ignorante ou com tremenda má-fé seria capaz de votar num dos dois. E um time passa a odiar o outro.

Os candidatos têm o dever moral de esfriar os ânimos. De levar o debate para o caminho das propostas, não dos ataques. Serra e Dilma têm ambos idade suficiente para ver no que acaba resultando a divisão de um país causada por extremistas.

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Ambos devem se lembrar do início dos anos 60. Carlos Lacerda, acreditando que desgastar o governo lhe daria a Presidência, atacava vilmente o presidente João Goulart. Jango, por seu lado, mesmo advertido por Darcy Ribeiro de que não deveria fazer isso, esticava a corda jogando a população contra o "outro lado".

Deu no que deu. Anos depois, Jango e Lacerda morreram ambos no exílio, expulsos do país pelos radicais que aproveitaram o terreno semeado por eles para implantar uma ditadura que por 21 anos restringiu a liberdade e o desenvolvimento no Brasil.

Serra e Dilma, assim como todos nós, sofreram igualmente as consequências. Deveriam saber que, ganhe quem ganhar, o país continuará no bom caminho, desde que haja estabilidade e democracia. Deveriam saber que o dia 31 de outubro é importante, sim. Mas que não vale a pena dividir o país em dois para conquistar seu objetivo.