As duas fotos são quase idênticas. Ambas foram feitas durante as enchentes do último fim de semana e estão disponíveis nas redes sociais. A primeira mostra Fernanda Richa, esposa do governador Beto Richa, em uma casa humilde, com móveis e colchões erguidos para que não encostem no chão ainda molhado. A primeira-dama abraça uma mulher que, aparentemente, perdeu o pouco que tinha com a cheia. Parece consolá-la, num gesto maternal. A segunda foto mostra Márcia Fruet, casada com o prefeito de Curitiba, Gustavo Fruet, em cena quase igual. A diferença é que a mulher que ela está abraçando, no mesmo gesto de quem consola, está fora de casa. Outra imagem postada na rede social, porém, e feita pelo mesmo fotógrafo profissional que acompanha a primeira-dama em todas as ocasiões, registra o estado deplorável em que ficou a casa da senhora. Perdeu tudo, ou quase tudo.

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Não faria sentido criticar as duas primeiras-damas por quererem ir aos locais afetados pela enchente. Ambas (não em função de seus currículos, mas por critérios estranhos que quase sempre levam os governantes a achar que sua família merece os melhores postos na administração pública) receberam a incumbência de fazer assistência social. Fernanda Richa é formada em Direito. Márcia Fruet, em Jornalismo. A tradição brasileira, porém, manda que lugar de mulher de governante é atendendo pobres na periferia. E ambas cumprem esse papel.

Que fossem lá ver os estragos, portanto. Os estragos causados não só pelas chuvas, mas pelos rios que não foram limpos, pelos leitos que não foram desassoreados, pelos bueiros entupidos, pela falta de drenagem nas áreas de asfalto da cidade. Descontemos ainda a hipótese cínica de que estejam pensando em obter vantagens eleitorais para seus maridos em disputas futuras ao reforçar o vínculo da gestão com os eleitores justamente em um momento em que estão mais vulneráveis.

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O que chama a atenção, descontado tudo isso, é a exibição das fotos feitas nessa situação. (As fotos mostram apenas o rosto das primeiras-damas. As pessoas que elas abraçam, meras figurantes, estão de costas.) Como se o importante não fosse o fato de irem até o bairro, mas sim a exposição pública de seu gesto maternal. Como se o importante fosse criar sempre o mito de mãe dos pobres, de que o governador e o prefeito, por meio de sua família, de sua esposa, estão pessoalmente se preocupando com o destino dos desafortunados, dos que perderam tudo com a cheia, esse desastre natural pelo qual ninguém assume a responsabilidade.

Por que, afinal de contas, é preciso ir ao bairro com fotógrafo profissional? Por que é preciso colocar as fotos no Facebook e contar o esforço feito pela primeira-dama para chegar até lá? Se é obrigação (e ganham muito bem para isso) por que precisam da exposição de seu trabalho? Será que não percebem que o paternalismo do Estado com o eleitor é mal visto, que a sociedade não vê mais isso como um gesto de caridade? Que a obrigação das gestões seria a de tentar impedir a tragédia, e não a de abraçar os pobres depois que ela acontece?

Na Idade Média, dizem que alguns ricos consideravam uma bênção o fato de haver mendigos. Dar esmolas era um caminho para o Céu. E se não houvesse pobres não haveria como dar esmolas. Era de se esperar que esse tipo de cálculo tivesse ficado no passado.

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