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Há 112 deputados federais que dizem abertamente querer a revogação do Estatuto do Desarmamento. A conta é de Rogério Peninha Mendonça, autor da proposta já aprovada na CCJ da Câmara no ano passado – causando uma considerável valorização das ações de empresas produtoras de armas de fogo.

O placar do projeto mostra que a maioria da Câmara segue indecisa. Há 21,8% que querem a liberação das armas; 24,6% que se dizem contra; e 53,6% que por enquanto não se pronunciaram sobre o assunto. O projeto está pronto para ir ao plenário e a bancada da bala aproveita a tragédia do Espírito Santo como argumento a favor da liberação das armas.

Segundo alguns deputados, a situação ficou ainda mais calamitosa no Espírito Santo porque, com a PM em greve, a população estava privada de ter armas para se defender dos criminosos. Pela mesma lógica, seria o caso de distribuir bisturis e material para anestesia à população: em caso de greve dos hospitais, a família poderia operar um apêndice inflamado por conta própria.

Evidente que um popular com uma arma na mão não vira policial. A não ser que alguém prove o contrário, parece que o melhor mesmo seria evitar que os policiais ficassem à mercê de governos caloteiros e que fizesse paralisações sem manter um mínimo de efetivo nas ruas. Evitar a greve é o mais inteligente, mas pelo menos um quinto do Congresso prefere ver cada um de nós com um bacamarte na mão.

Aliás, vale lembrar. Uma das tragédias da militarização das forças de segurança é que elas não podem fazer greves legalmente e acabam apelando para expedientes como o que levou à tragédia capixaba. Fosse composta por civis, a polícia teria parado, mantido parte da tropa na rua e parte no quartel. Como não pode fazer isso, recorreu ao truque baixo de fazer as mulheres acamparem na porta – e fingiu que não havia como tirá-las de lá.

O Mapa da Violência mostra que o Estatuto conseguiu evitar que as taxas de homicídios seguissem subindo à estapafúrdia proporção de 10% ao ano, como vinha acontecendo. Não é uma panaceia, mas foi talvez a única política pública efetiva para diminuir a calamidade nacional dos assassinatos em série. Se revogarmos a lei, lá se vai o freio.

A ideia de que cada um deva depender das próprias habilidades em tiro para viver em segurança numa comunidade só pode passar pela cabeça de quem defende a volta ao Velho Oeste. O monopólio da violência pelo Estado surgiu por uma boa razão – para que não tenhamos vidas “solitárias, vazias, sórdidas, brutais e breves”, como disse Hobbes há mais de três séculos.

O verdadeiro buraco da violência urbana brasileira é bem mais embaixo. A série de reportagens Crime sem Castigo, publicada por esta Gazeta em 2013, mostrou que em Curitiba só 4% dos homicidas chegavam a julgamento num tribunal. E que era mais comum que um assassino acabasse ele mesmo vítima de homicídio do que na cadeia depois de uma condenação.

A impunidade é um motor do crime. Se o sujeito lá no Espírito Santo soubesse que a PM não estava na rua mas que depois alguém iria investigar o caso e colocá-lo na cadeia, certamente a coisa seria diferente. Mas tem muita gente que aposta, como os deputados, no desmonte do Estado. E o criminoso agradece. Ou alguém acha que a Polícia Civil, mesmo fora de greve, vai achar os autores de todos os mais de cem homicídios capixabas?

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