Em política há dois tipos de fatos. Há os que mudam dia após dia, ao sabor do vento e da vontade de um governante, de um grupo, de um interesse. São "as nuvens no céu", como dizem os políticos mineiros. E há os fatos que mudam a maneira como toda uma sociedade se relaciona com a política. Esses influenciam a vida de gerações, mas às vezes passam quase despercebidos no momento em que acontecem.
Um movimento desses de longo prazo está se dando na política brasileira. É a criação de uma lei que permite a todos os brasileiros saber, com detalhes, como funciona o país e como trabalham os nossos administradores. Uma lei que impede aos políticos manter a prática que o Senado Federal e a Assembleia Legislativa do Paraná tornaram famosa nos últimos tempos: a existência de atos secretos.
O projeto da lei andou mais um passo nesta semana. Depois de ter sido aprovada na Câmara dos Deputados, a proposta passou na quinta-feira última pela Comissão de Justiça do Senado. Ainda será necessário votá-la em mais duas comissões. Depois, vem a votação em plenário. Por último, o presidente deve sancioná-la. E teremos, finalmente, a nossa lei de acesso a informações públicas.
É difícil imaginar a influência que uma lei desse tipo pode ter na vida política nacional. Para tentarmos pelo menos uma noção, pense nisso: hoje, se você quer uma informação sobre o funcionamento da prefeitura da sua cidade, como pode consegui-la? Suponha que você desconfie que o prefeito está empregando parentes no serviço público e queira ter certeza. Pela legislação atual, o prefeito só presta essa informação a seus eleitores se quiser. Ou terá de dizer a verdade à Justiça, se for obrigado.
Pela nova lei, todo tipo de informação sobre governos deve ser pública. No exemplo acima, bastaria preencher o requerimento solicitando a informação e, em 20 dias, o prefeito teria de dar a informação em caráter oficial. Se mentir, poderá ser processado por isso.
Mas não é só o prefeito. Isso servirá também para o governo do estado, para a Presidência da República, para todos os ministérios. Para os legislativos e para todo o Judiciário. Servirá inclusive para as ONGs que recebem dinheiro dos nossos impostos. Onde houver o meu, o seu, o nosso dinheiro, haverá gente obrigada a prestar contas, a qualquer momento, de seus atos. Isso se chama transparência.
Com uma lei desse tipo, evita-se todo tipo de abuso. O curioso, na verdade, é que o Brasil ainda não tenha nada parecido. Mais de 60 países no mundo têm leis do gênero. Aqui, fomos ficando para trás. Em parte, por falta de mobilização nossa. Em parte maior ainda porque há interesse dos donos do poder em nos passar para trás. Com essa lei, as tramoias e maracutaias ficam mais difíceis.
Há exceções previstas no projeto. Mas só mesmo para situações específicas. Ninguém será obrigado, por exemplo, a divulgar informações sobre projetos de pesquisa científica ou tecnológica. Casos que envolvam a segurança nacional também poderão ter um prazo de espera antes da divulgação. Mas, deixa-se claro, serão exceções, não a regra.
Quase um século atrás, o juiz norte-americano Louis Brandeis disse uma frase que ficaria famosa sobre a necessidade de haver transparência na administração pública. Dizia ele que não há nenhum desinfetante como a luz do sol. Basta abrir as janelas e o mofo irá embora. Demorou décadas, mas estamos aprendendo essa lição.
PS: uma nota extra sobre o tema. A ONG Artigo 19, que pressiona pela aprovação da lei, enviou um pedido de informação ao Ministério das Relações Exteriores, perguntando se o Itamaraty se posicionaria contra o projeto. Poderia haver interesse em preservar informações de guerras em que o país se envolveu, por exemplo. A resposta oficial foi de que o ministério não será contra a aprovação do projeto. A ONG, no entanto, ressalta que o ofício com essa informação do Itamaraty levou meses para chegar. Mais uma prova de que a lei estabelecendo prazos é necessária.
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