O célebre "arquéologo do futuro", quando quiser entender a política brasileira dos anos 1990 para cá, terá de necessariamente levar em conta o ego e a vaidade dos dois sujeitos que moldaram o quadro partidário que está aí. Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva inauguraram um período de "realpolitik" que culminou nesta semana numa estranhíssima aliança entre Lula e Paulo Maluf.
O início da história se dá em 1994. Itamar Franco era o presidente e havia dois grupos políticos com chances de chegar ao poder. De um lado, Fernando Henrique estava fortíssimo graças à genialidade do Plano Real, que nos livrou da praga da inflação e preparou o terreno para uma economia como a atual.
De outro lado, havia o PT de Lula. A lógica partidária (ideológica, se essa palavra ainda estiver em uso) era de que os dois candidatos unissem a centro-esquerda para derrotar uma coalizão de centro-direita, talvez liderada pelo PFL. Os egos, porém, eram grandes demais. E embora PSDB e PT tivessem pontos em comum, acabaram virando adversários.
Fernando Henrique, para viabilizar seu projeto, deu as mãos ao PFL de Antônio Carlos Magalhães, que era tudo o que os tucanos da época combatiam. E Lula ficou sendo a oposição "de esquerda", que perorava "contra o FMI e tudo o que estava aí".
O PT, porém, logo descobriu que esse discurso, por si só, não levaria ninguém à Presidência. Em 2002, veio a "Carta aos brasileiros", garantindo que Lula não faria um governo radical, e logo o partido chegou ao poder. Como rabicho, não levou o PFL. Mas sim o PP, que era nada mais, nada menos do que a antiga Arena, base política da ditadura militar.
O resultado de tudo isso foi a bagunça partidária que está aí. O PSDB, antes um partido que, pasmem, realmente defendia a social-democracia, virou a principal legenda de centro do país. E se tornou o porto seguro para o DEM. Hoje, o partido, de maneira absolutamente imprevisível para quem vê a biografia de seus fundadores, se tornou a principal chance de ruralistas e conservadores chegarem ao poder.
Lula, por sua vez, resolveu que, para vencer o inimigo, valia a pena qualquer aliança. O curioso é que o inimigo passou a ser Fernando Henrique, com quem o PT havia combatido o autoritarismo. E os aliados passaram a ser Maluf, Jader e Sarney...
Por um lado, se tivessem combinado o jogo desde o início, Lula e Fernando Henrique poderiam ser considerados gênios por trás de um plano que ninguém previa. De um jeito ou de outro, conseguiram colocar a centro-esquerda no poder por cinco mandatos consecutivos e implantaram políticas sociais típicas do pensamento que ambos tinham lá atrás, antes dessa história toda começar. Além disso, reduziram a direita a auxiliar de seus projetos.
Por outro, olhando o reverso da moeda, alguém poderá dizer que ambos foram levados a acolher em suas fileiras tudo aquilo que mais desprezavam. E, de alguma maneira, deram fôlego aos Magalhães e aos Malufs, que acabam tendo, ao fim e ao cabo, a única coisa que sempre lhes interessou. O poder.
P.S.: Luiza Erundina, em meio a tudo isso, parece ter sido fiel ao que acredita e abandonou o barco em que Maluf entrou. Um raro exemplo de coerência em meio ao caos.
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