A presidente Dilma Rousseff afirmou no fim de semana que a operação Lava Jato, da Polícia Federal, pode mudar o Brasil para sempre e "acabar com a impunidade". "Eu acho que isso mudará para sempre as relações entre a sociedade brasileira, o Estado brasileiro e as empresas privadas", disse a presidente durante a reunião do G-20.
Como toda afirmação categórica demais, essa também tem seus exageros. Nada numa sociedade muda assim do dia para a noite. As "relações" que a presidente citou são fruto de um processo histórico de séculos e certamente não será uma única ação da Polícia Federal, por mais devastadora que seja, que irá mudar isso de uma hora para outra. É mais provável que a Lava Jato seja uma consequência do que já ocorreu antes dela, um sinal dos tempos. E não a própria mudança.
Tirado o exagero, porém, Dilma pode ter uma bosa dose de razão. A frase, descontada a tentativa de causar efeitos políticos, poderia ser assim: a operação Lava Jato, ao mostrar que empresas gigantes, que sempre tiveram carta branca para fazer o que fosse, agora estão tendo de se explicar para a sociedade. Não é pouca coisa. Pelo contrário.
Trinta anos atrás, quatro das mesmíssimas empreiteiras que hoje veem seus executivos dormirem em colchões da carceragem da Polícia Federal, foram denunciadas num clássico do jornalismo brasileiro. Jânio de Freitas, na Folha de S.Paulo, mostrava que dias antes da licitação, já havia registrado (com precisão absoluta) as vencedoras de cada lote da Ferrovia Norte-Sul. Queiroz Galvão, Camargo Correa, Mendes Jr. e Odebrecht estavam na lista (além de várias outras). Na época, ninguém foi preso e tudo ficou por isso mesmo.
Isso, por um lado, mostra que o jogo entre empreiteiras e governo federal continuou sendo jogado exatamente da mesma maneira durante três décadas (e provavelmente desde antes). É que não se trata de uma questão de governos, mas de um sistema que está aí há muito tempo. São as tais "relações" da sociedade a que Dilma se referiu ao falar da Lava Jato.
Por outro lado, alguma coisa mudou. Desta vez, cinco presidentes de empreiteiras foram parar na carceragem do Santa Cândida e provavelmente (no mínimo) passarão alguns anos se incomodando com inquéritos, processos e com o risco real de serem condenados. É preciso ressaltar: estamos falando de empresas multibilionárias, que fazem quase todas as grandes obras de infraestrutura do país e que, só com a Petrobras, tinham R$ 59 bilhões de contratos.
Mas, afinal, o que mudou desde os anos 1980, quando aconteceu o caso da Norte-Sul? Muita coisa. Aperfeiçoamos a nossa democracia, principalmente. Na época de José Sarney, estávamos acabando de sair de 21 anos de autoritarismo do regime militar. numa ditadura, aprende-se que há os que mandam e os que obedecem. Ninguém fiscaliza.
Já numa democracia acabamos, ainda que no longo prazo, ainda que inconscientemente, ainda que a duras penas a pensarmos que somos todos iguais: governantes e governados, pobres e multimilionários. A Constituição aprovada em 1988 deu maiores poderes ao Ministério Público e, aos poucos, os governos foram afrouxando as rédeas da Polícia Federal.
A transparência favoreceu a fiscalização dos contratos; as leis previram penas mais duras para os criminosos; e a imprensa livre, junto com a universidade, foi com o tempo criando uma consciência crítica na sociedade de que é possível mudar quem somos, o modo como agimos (e que às vezes isso é saudável).
Essa é a verdadeira beleza da democracia: no longo prazo, ela tende a aperfeiçoar os seus próprios mecanismos. Ainda temos só três décadas de experiência democrática. Quanto mais tempo a democracia durar, mais a sociedade verá as vantagens de termos instituições livres e atuando em defesa do cidadão. O tempo, e não uma única ação da PF, é que nos levará a sermos um país melhor do que já somos.
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