Há mais de uma semelhança entre o governador José Roberto Arruda, do Distrito Federal, e o motorista que, rodando pelas ruas de Curitiba nos últimos dois dias, decidiu que não precisava mais respeitar o limite de velocidade, já que os radares não podem mais multá-lo. Primeiro de tudo, ambos mostram um profundo desrespeito pela lei. Segundo, mostram um desprezo olímpico por seus conterrâneos. Terceiro, só parecem se preocupar com as regras do jogo quando há alguém olhando: caso contrário, é cada um por si, tirando a vantagem que lhe for possível naquela situação.
Sim. Não gostamos de pensar nisso. Mas somos semelhantes demais aos políticos que elegemos. Gostamos de malhá-los pela sua falta de ética, pela corrupção, por darem prioridade a seus interesses pessoais, deixando em segundo plano os outros mortais. Mas assim que temos a chance fazemos exatamente a mesma coisa. Ou pior.
O governador Arruda foi pego com a boca na botija, como todos sabem. As gravações que vieram a público, salvo engano (improvável) ou prova em contrário (num Estado de Direito, é sempre necessário esperar o julgamento) mostram que o "democrata" eleito para governar o Distrito Federal continua o mesmo de antes. Oito anos atrás, como senador, foi obrigado a admitir que meteu o bedelho em lugar ilegal, fuçando no painel do Senado para descobrir o resultado de uma votação. Teve de renunciar. Se nada estranho ocorrer, terá de renunciar agora ao governo também.
Se os políticos continuam fazendo mensalões, mensalinhos, compra de votos (do povo ou de parlamentares), caixas 2 e outras bandalheiras do gênero é porque acreditam que vão sair impunes. Afinal, se todos os esquemas como este estivessem vindo à tona, quem iria se arriscar a tentar de novo? A queda do cavalo seria certa, e os crimes cessariam. Mas a (quase) certeza da impunidade faz o jogo valer a pena. E enquanto ninguém está olhando, a grana corre solta.
E nós? Somos assim tão diferentes? Pois é. É claro que o motorista que passa acima de 60 km/h na rua acha que o desrespeito à lei dele é menor do que o dos outros. Mas não é. Andar acima da velocidade, assim como dirigir bêbado, mata pessoas. Todos os dias. E só a burrice ou a soberba, que nos faz pensar que somos especiais, que temos direito a fazer o que os outros não podem, é que nos cega e não permite ver que estamos colocando os outros em risco quando fazemos uma barbaridade como essa.
"Ah, mas eu dirijo bem. Comigo não acontece", diz o candidato a atropelador. "Mas 60 km/h é muito lento", reclama o Arruda que existe dentro de cada um de nós. Porém os fatos são simples. Temos dois caminhos a seguir. A escolha nos é dada diariamente. Por um lado, podemos seguir a lei, entender que existe uma razão para a velocidade ser limitada. Raciocinar que, se a 60 km/h, nos envolvermos num acidente, as chances de alguém morrer são significativamente menores do que se a batida for a 65 km/h. Podemos decidir obedecer à lei mesmo quando não houver ninguém, ou nenhum radar, fiscalizando. Afinal, imagino que o digno leitor não vá passar a roubar se o policiamento se mostrar desatento.
O outro caminho é o da barbárie. É o do jeitinho. É o do cada um por si. A lei não vale nada. O respeito, à lei e ao outro, só nos interessa se não for nos atrapalhar no nosso caminho. Desde que os radares foram desligados, muitos curitibanos escolheram esse caminho. Enfiaram o pé no acelerador e mostraram que não estão nem aí com os outros.
É pena. A civilização parece tão perto. Mas ainda somos como o governador Arruda. Olhamos o painel secreto, montamos esquemas ilegais e mostramos o dedo para o radar desligado. Brasília é um horror? E nossas ruas, são o quê?
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