Castello Branco, nos últimos dias de seu governo, criticado por muita gente e sabendo que seria substituído por Costa e Silva, por quem não tinha o menor respeito intelectual, contava uma história aos mais próximos. Era sobre um tenor que levava uma tremenda vaia depois de sua ária e se consolava dizendo para a plateia da ópera: “Vocês ainda não viram o barítono”.
A história é relatada pelo jornalista Elio Gaspari no livro “A Ditadura Envergonhada”. Castello tinha razão. Costa e Silva aparece em qualquer lista como um forte candidato a pior presidente da história do país. Mau governante e chegado à linha dura do Exército, ajudou a jogar o Brasil na longa noite do Ato Institucional número 5. Ainda demoraria mais dezesseis anos depois de seu mandato para que o país voltasse à democracia.
O barítono de Dilma, caso ela viesse a sair de cena, seria Michel Temer. A presidente desagrada a muita gente (ou pelo menos é o que se ouve) por ter feitos acordos em nome da governabilidade. Esses acordos podem ser de vários tipos, sabe-se. Alguns incluem o apoio em troca de cargos. Outros incluem muito mais, como vem mostrando o trabalho da Polícia Federal. É em reação a essas revelações (diz-se) que muita gente prega o impeachment da presidente.
Claro que impeachment não deve ser uma questão de cálculo. A lei existe para impedir que um governante abuse do poder para fazer algumas coisas que são consideradas intoleráveis numa democracia. Se se provar (e a palavra essencial aqui é provar) que Dilma realmente meteu a mão no dinheiro ou mandou que fizesse isso; que colocou em risco a probidade do cargo e do país em nome de um mandato; que feriu a Constituição – nesse caso, é preciso discutir o impedimento legal dela. E somente neste caso.
Até o momento, dificilmente há provas disso, embora pelo menos um jurista de peso diga o contrário. Mas isso pouco importa na prática. Quem define se o(a) presidente pode ou não continuar no cargo é o Congresso Nacional. Foi por isso que Collor caiu. Mais do que meter a mão, ele descuidou de montar uma base razoável na Câmara. Pagou com o cargo. (Registre-se que, nesse caso, o barítono que o sucedeu saiu-se melhor do que a encomenda.)
Voltando a Temer. Se o problema com Dilma for mesmo o fisiologismo, a troca de cargos por apoio, as barganhas aceitáveis e inaceitáveis... Bom, nesse caso as notícias para os defensores do impeachment não são muito boas. Até porque os dois próximos nomes na linha sucessória da presidência são Eduardo Cunha e Renan Calheiros – dois destacados nomes de um peemedebismo tão castiço que acabou lhes garantindo dois inquéritos na Lava Jato.
É evidente que o impeachment não pode ser calculado em razão de quem fica no cargo. Mas também não pode ser calculado em razão de quem não se quer que fique por lá. Há muito argumento por aí desse gênero. “O país não aguenta mais quatro anos disso” serve como exemplo. Não está previsto na Constituição que, caso alguém considere que o país não aguenta algo pode pedir o impedimento legal de quem ocupe a presidência.
O resumo da história é o seguinte: impeachment é assunto sério e só se aplica em certos casos. E, principalmente, não é uma vara de condão para que as coisas se transformem magicamente. Quem conhece o barítono sabe muito bem a ária que ele poderá cantar.
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