Certa vez um repórter novato recebeu a incumbência de descobrir se, afinal, os postos de combustível de Curitiba formavam um cartel. A suspeita, como sempre, partia do fato de que os preços subiam e desciam ao mesmo tempo em todo lugar, como que por mágica. Pautado pelo editor, o foca saiu às ruas. Todos ficaram espantados quando uma hora depois o rapaz chegou de volta à redação já com o veredicto: não havia cartel. Perguntaram como ele havia chegado a essa conclusão. Simples: perguntou a um amigo que era dono de posto. Caso resolvido, passou ao próximo assunto.
Até aqui, as autoridades vinham tratando de forma semelhante o assunto dos ônibus de Curitiba. Assim como no caso dos postos, não é possível afirmar com certeza que há algo errado: isso cabe à Justiça dizer. Mas levando em conta certos dados de conhecimento público, é de espantar que ninguém, com exceção de parte da imprensa, tenha se aprofundado para ver o que estava acontecendo. Agora, parece que enfim as coisas estão sendo objeto de investigação.
Primeiro foi a prefeitura, enfim sob nova administração, que saiu com o relatório parcial de uma auditoria apontando irregularidades. Ontem, foi a vez de o Tribunal de Contas dizer o mesmo, depois de botar um grupo de técnicos para estudar o assunto. O Tribunal de Contas vai mais longe e diz que é preciso anular a licitação de 2010 e fazer outra. O relatório ainda será votado para os conselheiros e, claro, o caso todo demorará anos. Mas, para que tudo fique mais claro, vejamos algumas coisas que já se sabem até aqui.
As empresas que prestam o serviço de ônibus em Curitiba são basicamente as mesmas há décadas. Suas origens remontam à década de 1950, antes de o homem ir à Lua. Algumas foram vendidas, trocaram-se os sócios. Mas basicamente pertencem às mesmas famílias. Uma das famílias, sozinha, tem mais de metade das empresas e mais de 60% do negócio. Só pelos Gulin passam mais de meio bilhão de reais ao ano.
Desde a Constituição de 1988 é obrigatório que o poder público faça licitação do transporte. Aqui, a obediência à lei levou 22 anos. Durante esse período, as empresas continuaram cobrando e fazendo o serviço normalmente.
Em 2010, depois de levar uma prensa do Ministério Público, o então prefeito Beto Richa finalmente fez a licitação. Já estava há cinco anos no cargo. Nesse tempo, as empresas foram se tornando credoras da prefeitura em função de um déficit que nunca era pago. Uma dívida milionária.
Quando foi anunciada a licitação, descobriu-se que essa dívida podia ser usada como abatimento para a outorga milionária que se exigiria dos consórcios que queriam administrar o transporte. Ou seja: as empresas, por serem credoras da prefeitura, saíram com milhões de reais de vantagem sobre qualquer possível concorrente.
As empresas que prestavam o serviço foram as únicas a participar da licitação. Ganharam sem concorrência. Se rearranjaram em consórcios e ficaram com o direito de continuar explorando o serviço por mais 15 anos.
Depois do grupo de Richa e Luciano Ducci perder a eleição, o novo prefeito, Gustavo Fruet, abre uma auditoria. Descobre que o edital da licitação foi mudado sem autorização do departamento jurídico da Urbs, o que seria ilegal. Numa das mudanças, a família Gulin ganha permissão para manter seu poder em todos os consórcios simultaneamente.
Agora, o TC diz que há indícios de cartel, afirma que a passagem podia cair para R$ 2,25 e sugere a anulação da licitação.
Não é improvável que os 15 anos do contrato se passem sem que se chegue a uma conclusão sobre a veracidade dos fatos. Quando a renovação estiver sendo feita, descobrirão que ainda há como entrar com embargos infringentes no Supremo Tribunal Federal. Mas é salutar que estejamos, finalmente, falando sobre o elefante que estava parado no meio da sala.
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