Uma música de Caetano Veloso e Gilberto Gil já dizia que estamos todos em um imenso Haiti. Para justificar a comparação, a letra usava diversos argumentos. O sorriso de São Paulo diante de uma chacina de presos. Uma pancadaria em frente da casa de Jorge Amado: soldados pretos batendo em pobres igualmente pretos. Os sinais vermelhos que habitualmente furamos. Falavam também no pânico que um plano de educação poderia causar num deputado. Pânico mal dissimulado pela "ameaça de democratização de ensino de primeiro grau".
Quando ouvi Haiti pela primeira vez achei ingênua. Nenhum político ficaria realmente em pânico por ter de enfrentar eleitores mais educados. Hoje eu sei. O ingênuo era eu.
Só recentemente ouvi falar da Apasde. O nome diz muito. Trata-se da Associação Paranaense de Senhoras dos Deputados Estaduais. Parece algo saído da Sucupira de Dias Gomes. Não é. Saiu daqui mesmo, este nosso pedacinho do Haiti.
A associação foi montada, segundo seu estatuto, para "proporcionar maior congraçamento entre todas e desenvolver atividades filantrópicas em prol dos menos favorecidos pela sorte". A tradução é simples: o objetivo é fazer assistencialismo em busca de votos dos pobres coitados.
A imprensa falou sobre a associação nesta semana porque uma juíza julgou extinta uma ação popular que envolvia as senhoras dos deputados. Esta Gazeta mostrou que o Tribunal de Justiça anulou a sentença e que tudo voltará a ser investigado.
As atas da associação, publicadas igualmente na imprensa, revelam como os menos favorecidos pela sorte entravam no plano das senhoras dos deputados. Em uma delas, consta que cada associado teria direito, na época, a 12 cadeiras de rodas. Deu para entender? "Toma aqui essa cadeira de rodas. E não se esqueça de se congraçar com a gente nas próximas eleições!"
O pior, no entanto, ainda está por vir. De onde as nossas filantropas arranjam o dinheiro para cadeiras de rodas, cobertores e demais maneiras de aliviar o sofrimento alheio? Sim, é isso mesmo. A suspeita investigada pela Justiça é de que o dinheiro é da Viúva. O meu, o seu e o nosso.
A associação vive, entre outras coisas, de repasses de dinheiro público. Só em 2005, recebeu R$ 220 mil da própria Assembléia! Claro que não é só isso: a associação também tem seus imóveis. E os aluga. E usa o dinheiro. E o que a Justiça apura agora é a origem desses imóveis. Há indícios de que foi, novamente, a própria Assembléia quem os comprou.
Ninguém sabe ao certo quanto o congraçamento das senhoras nos custou. Pois, esse é o verdadeiro golpe de mestre, a associação não é um ente público, e não precisa prestar contas a ninguém.
Um ex-funcionário que foi à Justiça alegando desvio de finalidade da associação ainda teve de ouvir a seguinte barbaridade do advogado da Apasde, segundo registrou esta Gazeta: "Só um sócio pode alegar isso. Ele, por acaso, é mulher de deputado? E desvio de finalidade é para entes públicos, não privados; como é o caso da associação."
A frase cairia bem na boca de Odorico Paraguaçu.
Sou mesmo ingênuo. Quando via O Bem Amado achava tudo aquilo muito engraçado. Hoje sei. Não é.
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