Um dos objetivos de uma condenação judicial é fazer a pessoa ver que aquela prática não é tolerada. Para evitar que a situação se repita, porém, é preciso garantir que a punição ocorra de verdade, e que não saia barata demais. A Justiça Eleitoral brasileira, nesse sentido, é a mãe de todas as impunidades. E, por extensão, uma patrocinadora de crimes país afora.
Obviamente, ninguém quer que o governo deixe de fazer arrecadação de cobertores, muito menos que deixe de distribuí-los. O que precisa ser discutido é a maneira como isso ocorre, com possíveis benefícios eleitorais
Fernanda Richa, primeira-dama do estado, foi condenada judicialmente por ter feito campanha ilegal para o marido no Parolin, durante uma cerimônia de entrega de cobertores. Diante de 1,5 mil famílias reunidas para esperar a entrega – que só ocorreu depois dos discursos – Fernanda apelou para o “bom senso” dos moradores na eleição daquele ano. O Ministério Público denunciou e a Justiça condenou. Exemplarmente? Nada.
A multa para Fernanda veio com valor de R$ 10 mil. Metade de um salário mensal dela na prefeitura. A primeira-dama recorreu e conseguiu baixar o valor para R$ 5 mil. Mais do que isso: desde então, ela continua recorrendo a variados graus do Judiciário (e está em seu direito ao fazer isso) e conseguiu protelar o pagamento até hoje. Mesmo os R$ 5 mil nunca saíram de seu bolso. Curiosamente, o caso completa exatos cinco anos neste fim de semana.
O caso vem à tona novamente agora pelo fato de auditores da Receita Estadual terem sido pegos em uma gravação afirmando que a coleta de dinheiro para compra de cobertores, no caso deles, era obrigatória. Tinham metas e precisavam ir às empresas de sua região – as mesmas que tinham de fiscalizar – para passar o chapéu. Afinal, por que alguém teria interesse em estabelecer essas metas?
Nos últimos cinco anos, desde o evento no Parolin, Fernanda Richa viu o marido ser eleito governador e reeleito para novo mandato. Ela própria ocupa há quatro anos e meio um cargo de secretária de Estado. Por ele, recebe brutos aproximadamente R$ 20 mil. Ou seja: a cada mês, cai em sua conta o suficiente, em dinheiro público, para quitar quatro vezes a multa eleitoral que ainda não lhe foi cobrada. Ao longo de 52 meses, os salários chegam perto de R$ 1 milhão. Ou o suficiente para quitar a multa 200 vezes. Isso sem falar no salário do marido.
O resultado da multa irrisória (e não aplicada) é que como secretária de Estado Fernanda Richa manteve a entrega de cobertores no mesmo esquema que havia na prefeitura. Ela própria viaja o estado fazendo cerimônias de entrega – ao invés de simplesmente deixar que as pessoas retirem as doações das mãos de um funcionário anônimo, sem necessidade da pompa e dos discursos.
Na ocasião, em 2010, Fernanda respondeu que a reunião das pessoas e a participação dos agentes políticos era importante não para fins de campanha eleitoral. “Promove a união da comunidade, faz com que todo mundo se converse. E as pessoas vêm para escutar música, para escutar uma nova ideia e não tem nenhuma outra conotação que não essa.”
Obviamente, ninguém quer que o governo deixe de fazer arrecadação de cobertores, muito menos que deixe de distribuí-los. O que precisa ser discutido é a maneira como isso ocorre, com possíveis benefícios eleitorais para quem está, ao fim e ao cabo, apenas repassando aquilo que a população doou. E que a Receita deixe imediatamente de fazer coletas do gênero em empresas – doação que não é espontânea, que serve para cumprir “metas” de alguém que pode te punir, não é doação.
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