"Democracia serve para todos ou não serve para nada."
Herbert de Souza, o Betinho, sociólogo.
Olhe aquele deputado. Ele está usando a tribuna, faz um discurso inflamado, defendendo a população que o elegeu. Já é tarde da noite, boa parte dos eleitores terminou a lida diária e começou o merecido descanso. O nobre parlamentar não se dá esse direito. De pé, continua a falar longamente, enquanto seus pares esperam distraidamente a vez de discursar.
Mesmo sabendo que boa parte do que os legisladores dizem na tribuna é apenas peça de campanha publicitária, não parece uma coisa má que eles decidam freqüentemente estender a sessão até mais tarde. Um levantamento da ONG Contas Abertas, porém, mostra que a verborragia dos senhores e senhoras parlamentares no plenário custa caro para todos nós.
A partir do momento em que a sessão extrapola o horário determinado, é acionado imediatamente o gatilho das horas extras de uma pequena multidão de funcionários. São 15 mil pessoas que são pagas a mais a cada vez que os deputados passam do horário em que deveriam encerrar a sessão. O levantamento mostra que, só no primeiro trimestre deste ano, foram pagos R$ 10 milhões a mais por causa do tempo excedente. São cerca de R$ 40 milhões por ano que poderiam ser poupados.
É importante deixar claro: ninguém quer fechar o Congresso nem se exige que os deputados trabalhem em silêncio. A palavra Parlamento vem justamente da função principal delegada aos nossos representantes: falar, discutir, debater os problemas da sociedade. O problema é que se sabe que muitas vezes o camarada usa por minutos o microfone apenas para elogiar a sociedade hípica que está de aniversário, lembrar a data de fundação de um município que lhe deu um punhado de votos ou coisas do gênero.
Recentemente, o senador Arthur Virgílio, um tucano do Amazonas, usou a tribuna para vociferar contra uma empresa que queria privatizar a Amazônia. Foi avisado mais tarde de que a empresa era fictícia, era parte de uma campanha publicitária para vender guaraná. Teve de admitir o mico. Caso contrário, poderia ganhar mais um minutinho na gloriosa Voz do Brasil.
Os próprios deputados admitem que o trabalho feito nas "horas extras" poderia e deveria ser feito durante o expediente comum. Se a Câmara dos Deputados tivesse mantido quatro dias de sessões por semana ao invés de reduzir para três, por exemplo, sobraria mais tempo para fazer todo o necessário e manter mesmo os discursos desnecessários sem cobrar a mais por isso do nosso bolso. Porque, pensando bem, é por esses pequenos ralos que vai escoando o dinheiro que deveria pagar hospitais, escolas e a previdência dos nossos aposentados.
Dizem que muito mais caro do que manter o Parlamento é fechar o Parlamento. A sociedade precisa de um bom Legislativo. E é por isso que há de se pegar no pé dos deputados e senadores. Afinal, eles estão longe de chegar ao nível de correção e eficiência que se espera deles.
Nepotismo via concurso
Conforme noticiado ontem por esta Gazeta, a Justiça determinou que o Tribunal de Contas reduza o salário de 22 funcionários. Eles estariam recebendo R$ 12,5 mil, quando fizeram concurso para ganhar R$ 7,9 mil. Se houve realmente o pagamento excedente, já custou outros R$ 4,9 milhões ao nosso bolso.
Mais curioso do que isso, porém, é ver que há uma certa coincidência de sobrenomes entre os políticos que passaram pelo tribunal e os funcionários que supostamente ganhavam mais do que deviam. Os parentes dos conselheiros, que exercem a função máxima na corte, parecem ter muita competência ou sorte para passar nos testes de seleção.
A filha do ex-conselheiro Rafael Iatauro, atual chefe da Casa Civil, é uma das que ganhavam os R$ 12,5 mil por mês. Chama-se Gracia Iatauro. É casada com o deputado Fábio Camargo. O conselheiro João Féder também deixou um representante como funcionário: consta da lista Luiz Henrique Sampaio Féder. Eliane Queiroz de Moraes é da família do ex-conselheiro Armando Queiroz de Moraes. Gil Ruppel mantém a tradição da família que já teve o conselheiro Antônio Ferreira Ruppel. E Roberto Martins de Oliveira repete o sobrenome de Cândido Martins de Oliveira, o Candinho. O filho do ex-deputado Aníbal Khury, que se chama Aníbal Khury Júnior, também está na lista.
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