Um estudo recente do Ipea mostrou que os ricos brasileiros gastam em três dias o que os pobres demoram o ano inteiro para gastar. Veja qual é a interpretação que você acredita estar mais correta para esses dados. Interpretação A: o Brasil ainda é um país tremendamente desigual. Interpretação B: os pobres brasileiros são todos uns sovinas.
Claro que se trata de uma brincadeira. Ninguém acreditaria na segunda hipótese. Certo? Bem, é difícil garantir. Números podem dizer qualquer coisa que você queira. Basta torturá-los e deformá-los o suficiente. E há gente especializada em "ler pesquisas" por aí. As conclusões são as mais variadas, dependendo normalmente do gosto do freguês que encomendou o levantamento.
A Confederação Nacional da Agricultura, por exemplo, divulgou por esses dias um estudo sobre os assentamentos rurais brasileiros. A CNA da senadora Kátia Abreu (que já teve uma rusga com os fiscais de trabalho escravo no Norte do país) é obviamente contra a reforma agrária. Portanto, a pesquisa precisa ser vista com cuidado.
O levantamento, realizado pelo Ibope em nove assentamentos, mostrou que eles são formados em grande parte por pessoas de baixa renda e que produzem pouco. Não têm acesso a crédito rural. Muito bem. Esses são os dados colhidos.
Qual é a interpretação da CNA? Que os pobres são sovinas... Ou seja, que a reforma agrária não funciona. "Esse modelo não é adequado, não está gerando renda. São favelas rurais que estão sendo criadas no campo. Você não tira as pessoas da pobreza dando um pedaço de chão", disse a senadora.
A Federação da Agricultura do Estado do Paraná reproduziu a visão em seu Boletim Informativo 1.071. Depois da manchete "O novo Jeca Tatu", a capa da revista tasca a seguinte informação: "O MST está favelizando o campo brasileiro". Aqueles eram os números. Essa é a interpretação.
As provas de que a reforma agrária funciona, ou pode funcionar desde que sejam bem feitas, estão à disposição de qualquer um. Países industrializados como Japão e Itália fizeram e se deram bem. Esses também são fatos, não interpretações.
O ponto importante para a CNA, no entanto, é demonizar a reforma agrária. Como não tem como negar o inegável, ataca o principal movimento a defender a renovação da estrutura agrária brasileira. Não podendo desmentir a história mundial, diz que o MST é o demônio. E o que o demônio defende não pode ser bom.
Veja bem. É possível defender exatamente o oposto do que dizem os ruralistas. Afinal, a estrutura fundiária brasileira, que concentra terras nas mãos de poucos na maior parte de nosso território, ajudou a criar o êxodo rural e, portanto, também "favelizou as cidades". Agora, porém, os excluídos voltam para o campo, exigem direitos, e os eternos donos da terra se sentem incomodados. É hora de usar os números a seu favor. Eu, por mim, prefiro os fatos. Reforma agrária funciona.
O MST tem erros? Corrija-se isso. Aliás, se a reforma agrária for feita agora da maneira certa, o MST desaparecerá num piscar de olhos. Mas não parece ser isso que a CNA quer. Ela quer é manter a estrutura fundiária brasileira intacta. E essa, todo mundo sabe, exclui muita gente. E ajuda a criar mais pobres, esses sovinas.
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