Não deixa de ser curioso: a reforma trabalhista de Temer será discutida no Congresso Nacional exatamente cem anos depois da primeira greve geral brasileira. Em julho, data do centenário, certamente o assunto vai ser lembrado – principalmente em São Paulo, terra do presidente, onde o movimento começou com o assassinato de um operário pela polícia.
Muita coisa mudou de lá para cá, evidente. Inclusive o modo como se fazia greve. Um jornal anarquista de 1915 (recolhido pelos historiadores Ricardo Marcelo Fonseca e Maurício Galeb) dava o tom. “Gréve pacifica é greve perdida, gréve absurda. O grevista é um homem fora da lei e consequentemente deve agir fora da lei.”
E fora da lei agiram os grevistas de 17. Em Curitiba, os trabalhadores conseguiram entrar à força na usina de vapor que mantinha a cidade iluminada: suspenderam a energia elétrica no fim da tarde. No escuro, a população assustada ouviu tiroteio em que houve três feridos. Vandalizaram as pontes sobre o Belém e o Barigui, impedindo o caminho do matadouro para a cidade: não havia mais carne. Mais tarde danificaram o aqueduto do Cajuru: não havia mais água.
A polícia, aqui como em outras cidades onde havia greve, decidiu que agiria também na força bruta. As prisões ficaram cheias de grevistas. Proibiram-se reuniões públicas. Os empresários incitavam a repressão dizendo que era preciso “separar o elemento operário do elemento perturbador da ordem”. Depois das deportações, houve quem simplesmente “desaparecesse do cenário curitibano”.
Mas o que queriam os operários? As listas de reivindicações de São Paulo e Curitiba são diferentes, mas têm causas comuns, como a jornada de oito horas. O “Diário da Tarde” registrava que os curitibanos pediam, entre outras coisas, “impedimento de crianças menores de 14 anos no trabalho, (...) o patrão não pode dispensar o empregado sem prévio aviso de 18 dias, (...) hygiene nas fabricas”.
E a reação dos patrões? Uma reação improvável foi a de empresários curitibanos que chegaram à conclusão, em meio ao caos, com direito a bomba e gente sendo detida com banana de dinamite em punho, de que não existia greve. Era uma ficção. Freud explica.
Depois de conseguirem debelar o movimento, os patrões e o governo pensaram em modos de melhorar as relações com a classe operária e evitar novos tormentos. Trinta anos depois do fim da escravidão, a república cogitava uma reforma trabalhista para garantir direitos. Os termos dão uma ideia das condições de trabalho.
Jorge Street, empresário paulista conhecido por ser particularmente bondoso com seus trabalhadores, declarou que era a favor de concessões, desde que não se passasse do que considerava razoável. Por exemplo, se opunha à jornada de 40 horas, propondo que o limite ficasse em 56 horas. Quanto ao trabalho infantil, defendia que os brasileiros podiam ir para a labuta aos 11 anos porque eram mais precoces do que os europeus.
O governo oligárquico da República Velha duraria ainda mais 13 anos e cairia de podre quando Getulio deu seu primeiro sopro contra o Catete. Não é de espantar.
PS: A quem interessar, o livro de Ricardo Marcelo Fonseca e Maurício Galeb está disponível na Biblioteca Pública do Paraná. Chama-se “A Greve Geral de 17 em Curitiba”.
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