Pense numa sociedade tremendamente desigual. Uns poucos muito ricos e muita gente pobre, realmente pobre. Claro que isso é um problema. E existem dois jeitos de ver esse problema. Um deles é achar que a desigualdade em si não é o que tem que ser solucionado.
Por essa visão, o que precisa ser remediado é a miséria. Se todo mundo tiver o mínimo para viver com tranquilidade e algum conforto, não existe problema algum a ser resolvido. Se os outros têm mais, melhor para eles. Mesmo que seja muito mais. Mesmo que sejam multibilionários. Desde que o dinheiro tenha sido ganho honestamente, tudo certo.
Mas há quem pense que a desigualdade em si, se for muito grande, já é preocupante. Claro: não estamos falando de tentar deixar todo mundo na exata mesma situação, o que exige um grau enorme de opressão e já se provou que não funciona. Mas sim de ter uma sociedade em que o mais rico e o mais pobre não estejam tão distantes um do outro.
Professor de Harvard, Tim Scanlon fez uma lista de quatro argumentos para que uma sociedade democrática se oponha à desigualdade. Um deles é mais abstrato: o direito que todos os participantes de uma sociedade têm de desfrutar daquilo que se constrói coletivamente (ninguém teria como enriquecer sozinho, sem trabalhadores, consumidores etc.)
Mas os outros três são bem pé no chão e sentimos na pele o que ele quer dizer. Por exemplo: o fato de que filhos de famílias mais pobres, pela simples loteria da vida, têm uma chance muito menor de desenvolver seu potencial e chegar aonde mereceriam. É a falta de mobilidade social.
Pesquisadores dos EUA calculam que 35 mil alunos brilhantes de ensino médio do país ficam de fora das universidades de ponta mesmo tendo vagas de graça para eles simplesmente porque sua situação econômica não permite o luxo de estudar nesses lugares. Eles precisam trabalhar para sustentar a família ou abandonar os estudos etc.
Scanlon diz que a desigualdade também permite que os mais ricos tenham um poder de influência excessivo sobre a vida dos outros (no mundo do trabalho ou com a posse de meios de comunicação, por exemplo).
Mas talvez o argumento mais forte seja de fundo político. Uma desigualdade excessiva mina a própria democracia ao dar poder demais para algum sobre as instituições fundamentais do país. Sobre o processo eleitoral, por exemplo. Quem financia uma campanha certamente tem meios de obter retornos. E de influenciar o resultado de uma eleição de uma maneira impossível para um mero assalariado.
O Brasil hoje vê diariamente nos jornais o efeito de ter uma elite que manda e desmanda na política nacional por meio da influência econômica. É disso que se trata a Lava Jato. De um país em que uns poucos donos do poder se valeram do poder desigual que têm para fazer o que quisessem com o governo e para lucrar com isso.
Outro filósofo de Harvard, Michael Sandel, diz que um dos grandes problemas da democracia hoje é nosso medo de que “estamos perdendo o controle das forças que governam nossas vidas”. É disso que ele está falando. Dos Odebrecht, dos partidos em conluio com as construtoras e dos milhões que correm para financiar campanhas – enquanto a nós, desiguais para menos, resta apertar um botão e escolher qual dos financiados pelo cartel ocupará o Executivo pelos próximos quatro anos.
A desigualdade excessiva não é um problema só para os mais pobres. É um problema para a democracia.
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