É impressionante como o caso Carli Filho mexe com a cidade. Basta tocar no assunto no jornal, em redes sociais, onde for, que as pessoas se interessam imediatamente. O adiamento do júri, que deveria começar nesta quinta-feira (21), foi recebido como um soco no estômago por muita gente – gente que nunca conheceu as duas vítimas diretas do acidente, os jovens Gilmar Rafael e Carlos Murilo, mortos no distante 2009.
Acidentes como esse são sempre chocantes, ainda mais com dois mortos. Mas o caso gera comoção como nenhum outro na história recente da cidade. Pode-se imaginar que é pelo fato de haver um deputado envolvido em uma acusação grave. Sempre há um certo alívio em ver que os poderosos – aqueles que normalmente conseguem pisar nos outros sem pagar por isso – têm de responder por seus atos, ainda que demore.
Nesse sentido, o caso Carli Filho traria uma resposta semelhante à da Lava Jato. A raiva pelo crime cometido e a expectativa de que a impunidade não prevaleça. Mas há centenas de casos de poderosos cometendo crimes (hoje sabemos isso mais do que em outros períodos), e nem todos os crimes conseguem a mesma atenção, até por serem muitos.
Há um agravante: trata-se de uma acusação de homicídio. Mas aqui também, por incrível que pareça, há concorrência – só para ficar em deputados paranaenses que estiveram recentemente no mandato e que estiveram envolvidos na morte de outras pessoas há dois outros casos. O deputado federal João Arruda dirigia um carro que matou duas pessoas e livrou-se prestando serviços comunitários. Roberto Acioli deu um tiro na nuca de um sujeito há 17 anos e ainda não foi a júri. Nenhum dos casos causou a mesma comoção.
Carli Filho fez tudo de mais abjeto que um motorista pode fazer. Não só matou pessoas inocentes por erro seu como sua conduta mostra que ele não estava nem aí para o que podia acontecer. Bebeu antes de dirigir. A perícia mostra que ele estaria talvez acima de 170 km/h. Já tinha a carteira estourada em pontos. Seu carro decolou. Ao aterrissar, decapitou um garoto, matou outro. Isso explicaria a necessidade de distribuir senhas para as pessoas que querem assistir ao júri de perto.
Mas talvez o que tenha feito a atenção sobre o caso se multiplicar foi o modo como as famílias das vítimas se portaram. Não aceitaram em nenhum momento a lógica de que o deputado, filho do prefeito, amigo dos poderosos haveria de sair impune simplesmente por ser quem era. Contrataram um assistente de acusação. Foram à imprensa. Criaram uma ONG. Fizeram perícias.
Uma das famílias conta que perdeu tudo o que tinha nesse processo. Vendeu a confeitaria. Vendeu a casa, mudou-se para outra menor. As cifras que dizem ter gasto no processo são impressionantes. E, pensando no que perderam antes de perder tudo isso, faz todo o sentido o empenho que estão fazendo. Por um acaso do destino, as vítimas que Carli fez tinham como reagir mais ou menos à altura – inclusive com a mãe de um dos meninos, Christiane Yared, se elegendo deputada, de certo modo empatando o jogo de poder.
Ao mesmo tempo em que é promissor ver o ex-deputado à beira de ser julgado pela população (pois é isso que significa um júri), apesar de todas as chicanas e protelações, é triste ver que, fossem outras as vítimas, ou fosse outro seu comportamento,talvez a comoção fosse menor, e a chance de impunidade maior. É só quando a vítima e suas famílias gritam, e muito alto, que conseguem furar a bolha, se destacar em meio a tantos absurdos, e conquistar um mínimo de simpatia para suas causas. Não precisava ser assim.
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