Subitamente, os vereadores de Curitiba se viram interessados em investigar a licitação dos ônibus da cidade, que aconteceu debaixo do nariz da Câmara três anos atrás. A explicação é simples: mudou o prefeito, e com isso mudou o interesse do Legislativo. Não é mais o caso de agradar a Beto Richa e a Luciano Ducci. Trata-se agora de agradar a Gustavo Fruet. Como ele é desafeto de Richa, investigue-se o que até ontem era motivo de elogios. Coisas da política.
Apesar disso, é realmente importante que as coisas sejam passadas a limpo. A licitação resolveu por 15 anos o destino do nosso dinheiro e interfere no preço da passagem. Assim, os vereadores curitibanos, que não têm muito conhecimento sobre como apurar irregularidades, poderiam aprender com uma dica do jornalista Gay Talese, responsável por algumas das reportagens mais importantes do século 20. Para saber o que realmente aconteceu em algum acordo, o melhor caminho é sempre procurar os descontentes. Quem ficou de fora de um negócio bilionário, por exemplo.
Já na época da licitação houve empresários reclamando que o edital parecia feito sob medida para as empresas que atuavam no sistema. Um exemplo é o diretor da Trans Isaak, que trabalha com ônibus de turismo. A empresa tinha interesse e dinheiro para concorrer, mas foi proibida de participar. Como se o interesse da cidade fosse ter menos empresas participando da licitação, e não mais.
Mas suponha que houvesse razão para barrar empresas que não fossem exatamente da área de ônibus urbanos. Aqui vai outra dica. Um importante advogado de Curitiba conta a seguinte história. Na época em que a prefeitura finalmente anunciou a licitação, um empresário de Santa Catarina procurou o escritório dele. Em teoria, a empresa do estado vizinho preenchia as exigências do edital. O que ele devia fazer? O advogado leu o edital atentamente e ligou de novo para o cliente. A resposta era simples: não iria desperdiçar o dinheiro dele à toa. "Nem entre na licitação. Não há como ganhar", explicou, mesmo sabendo que perderia os honorários.
Por que era impossível ganhar? "Lembro que o item que mais me chamou a atenção eram as dívidas que a prefeitura tinha com as empresas e que poderiam ser descontadas da outorga", explica hoje o advogado. No total, a prefeitura anunciou que cobraria R$ 252 milhões dos consórcios que participaram da licitação. Não é pouco dinheiro. Mas as empresas que venceram a concorrência (as mesmas que já tinham a concessão anteriormente) pagaram bem menos que isso.
Eis o ponto. Só de dívidas por uso de vale-transporte falso puderam abater R$ 45 milhões da outorga. Pelos ônibus que já usavam na cidade, abateram mais R$ 98 milhões. No fim das contas pagaram menos da metade do que a prefeitura cobraria de qualquer outro concorrente.
Em dívidas por problemas administrativos com a Urbs, abateram mais R$ 12 milhões.
Os vereadores, na época, souberam disso, até porque a imprensa noticiou os números. Mas não fizeram nada. Agora que sua veia investigativa repentinamente aflorou, poderiam tentar ouvir esses empresários e saber por que, afinal, ninguém se dispôs a concorrer contra os Gulin e seus associados.