Sabe aquela saudade de quando você olhava para Brasília e via o governo e o Congresso juntinhos, na maior harmonia? Esqueça. O caos de agora, com o presidente da Câmara e a presidente da República se enfrentando é péssimo, não se trata disso. Mas ainda é muito melhor do que a calma reinante em certos períodos.
Em Brasília, o silêncio impera quando todas as partes estão felizes com o acordo vigente. Antes de 2005, era esse o silêncio que se via nas relações entre Presidência e Congresso. Descobriu-se o porquê quando um dos atores, Roberto Jefferson, resolveu chutar o coco e entregar o motivo da calmaria: o que mantinha a harmonia era o ilícito, era a distribuição de dinheiro. Era o mensalão.
Depois de descoberto o esquema, alguns operadores foram presos. Mas aparentemente o pessoal achou que dava para continuar com algo parecido. Afinal, em décadas de “convivência harmoniosa”, a casa tinha caído uma única vez, e só por causa de um delator. A harmonia foi restabelecida, e hoje sabe-se o preço que isso cobrou, tanto da Petrobras quanto de todos nós. Ou pelo menos tem-se uma ideia.
E aí o caldo entornou de vez. Porque dessa vez o que aconteceu não foi um mero deputado insatisfeito com o esquema e que deu com a língua nos dentes. Dessa vez a fraude foi descoberta por vias institucionais. Polícia Federal, Ministério Público e – quem diria? – o Judiciário atuaram juntos. Usaram a delação. Puseram um contra o outro. E descobriram o que vem saindo nos jornais desde então.
Se tudo o que se descobriu na Lava Jato for verdade, fica evidente, por exemplo, que Eduardo Cunha e o petismo eram sócios em um mesmo projeto. Assim como o PP. Assim como o PMDB. Assim como Renan Calheiros. Todos partidos e políticos, aliás, que não chegaram ao poder junto com o PT, e que viviam antes na mesma ampla e cordial harmonia com governantes anteriores.
A tranquilidade era resultado não de saúde do sistema político, mas sim de um acobertamento bem feito dos males que nos cercavam. O silêncio não era porque não havia nada para se ouvir, mas sim porque abafava-se muito bem o que podia transparecer. Agora, estamos ainda muito longe de resolver os problemas – mas, pelo menos, sabemos do problema e teremos de enfrentá-lo.
A Lava Jato parece ter sido um fator decisivo para separar os grupos que antes atuavam juntos. Cada um pode delatar o outro. Cada um vê um jeito de se safar, de dizer que a culpa não é dele. Quem antes era beneficiário agora quer roer a corda. Mas não é só isso. Por um ou por outro motivo, houve uma mudança de comportamento principalmente da Polícia Federal e da Justiça. O Ministério Público há muito fazia papel mais independente.
Antes, quando se via um desses filmes americanos em que as pessoas têm medo do FBI, ninguém podia imaginar a mesma reação no Brasil. Se alguém, gritasse “Aqui é da Polícia Federal”, ninguém tremeria. Hoje, a imagem do japonês da Federal batendo na porta às seis da manhã entrou no imaginário popular.
Não dá para saber se a crise atual vai mesmo levar o Brasil a ser um país mais sério, em que a corrupção é punida independente de quem a cometa. Até porque há muita gente interessada em dar um cala boca na PF para que tudo volte a ser como era. Mas que Deus nos livre daquela harmonia pré-2005.
Moraes eleva confusão de papéis ao ápice em investigação sobre suposto golpe
Indiciamento de Bolsonaro é novo teste para a democracia
Países da Europa estão se preparando para lidar com eventual avanço de Putin sobre o continente
Ataque de Israel em Beirute deixa ao menos 11 mortos; líder do Hezbollah era alvo