O Brasil chega ao Dia Mundial Sem Tabaco, nesta sexta-feira, amargando a estatística de perder para o cigarro 200 mil vidas a cada ano. Mas, sempre que alguém fala em impor medidas restritivas para reduzir o número de mortes, o discurso que vem do lado da indústria é o mesmo: isso prejudicaria as milhares de famílias de pequenos produtores que dependem da fumicultura para se manter.
Neste ano, por exemplo, um projeto que está em tramitação no Senado e que poderia ajudar a diminuir a perda inútil de vidas é o que tira os cigarros de bancas de revistas, lojas de conveniências, lanchonetes etc. A venda ficaria restrita a lojas especializadas, como tabacarias. Claro que a indústria reclamou.
Em audiência pública, o secretário executivo da Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), Carlos Fernando Costa Galant, usou outro argumento igualmente clássico do setor, o de que o efeito da restrição seria o aumento da venda de produtos contrabandeados. Galant disse ainda que os contrabandeados têm menos fiscalização e, vejam só, poderiam fazer mal para quem os fumasse...
Nem se fala da validade do argumento do contrabando. Se fosse por essa lógica, nada poderia ser proibido no Brasil, já que sempre haveria a possibilidade de se trazer o equivalente de fora de alguma maneira ilegal. Estaríamos proibidos de proibir, mais ou menos como queriam os estudantes do maio de 1968. Mas por motivo bem diferente do que imaginavam os manifestantes.
Sobre as famílias de fumicultores, um dado divulgado pela Receita Federal e pela Associação dos Fumicultores (Afubra), ajuda a entender melhor o quadro. De todo o faturamento trazido pela produção nacional, apenas 12% vêm do consumo interno. Os outros 88%, em 2012, vieram da exportação. E o número vem aumentando: em 2011, haviam sido 85% da exportação. Ou seja: apenas R$ 1 em cada R$ 8 recebidos pela indústria (e pelos produtores) está em jogo quando se discutem restrições à venda do tabaco no Brasil.
Ninguém quer jogar na rua da amargura os fumicultores. É claro que a situação deles precisa ser estudada e que o governo precisa dar incentivos para que eles passem a trabalhar em outro tipo de lavoura, caso haja queda na renda, por exemplo. O que não vale é usar as famílias como escudo para manter a indústria funcionando sem ser incomodada o problema da saúde pública, inclusive dos próprios trabalhadores, também deve ser levado em conta.
O que leva a outro argumento importante da discussão. Na mesma audiência pública no Senado, Galant lembrou que o governo arrecada R$ 6 bilhões em impostos com a venda de cigarros no Brasil. Mas, segundo dados apresentados pelo senador Paulo Davim (PV-RN), autor da proposta que restringe a venda do cigarro às tabacarias, é preciso levar em conta que o Brasil gasta R$ 22 bilhões (três vezes e meia a arrecadação de impostos) para tratar doenças causadas pelo cigarro. Sem contar as perdas humanas, claro, que não têm preço.
O projeto de Davim ainda não tem data para ser votado no Congresso Nacional.
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