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O sonho de Sancho Pança era ser governador. A cada vez que começavam uma aventura, Dom Quixote lhe prometia o posto. Mas o dia, claro, nunca chegava. Até que uns nobres ficam sabendo disso e, por brincadeira, armam para dar a Sancho o governo de um território. O engraçado é que mesmo sendo despreparado, ele se sai bem na função. Como juiz, que era parte do trabalho, vai especialmente bem.

Cervantes conta a história de como Sancho descobre uma trapaça, por exemplo. Um sujeito acusa o outro de ter roubado suas moedas. O acusado, diante de Sancho, nega peremptoriamente. A cada vez que é questionado, pede que segurem sua bengala, se ajoelha e garante que não está com as ­­moedas, jurando pelo que fosse necessário. Sancho percebe o truque, manda que quebrem a bengala e descobre lá dentro o tesouro.

Gustavo Fruet poderia usar a sabedoria de Sancho e apontar a trapaça que está sendo feita debaixo de seus olhos. A Urbs e as empresas de ônibus estão há tempos tramando contra os usuários de ônibus. Descumprem a lei, mas quando são pegos no ato mostram um pedaço de papel que prova, supostamente, que a lei é aquela que lhes interessa. A desfaçatez chegou ao cúmulo no mês passado, quando a ouvidoria da Urbs enviou um documento aos vereadores da cidade.

Tratava-se de resposta a questionamentos feitos pelo vereador Rogério Campos (PSC). Ele encaminhou as perguntas por motivo simples: foi aprovada e sancionada uma lei que proíbe motoristas de ônibus de serem simultaneamente cobradores, como ocorre nos micro-ônibus. A Urbs, já antes, havia dito que desrespeitaria a lei. Alega que a função não pode ser "simultânea". Ou seja: o motorista só não pode cobrar enquanto dirige.

A graça da coisa está no seguinte: pela interpretação da Urbs, um motorista parado não é condutor. Se isso for levado a sério, alguém que estacionar em local proibido não pode ser multado. Como o carro está parado, não há condutor. A artimanha serve só para duas coisas: evitar novos custos na composição da tarifa e mostrar que a Urbs não está nem aí para a lei.

O documento enviado pela ouvidoria, porém, revelou mais. O vereador quis saber se alguma empresa foi multada até o momento por infração à lei. Afinal, qualquer um que pegue ônibus sabe muito bem que a cobrança é feita e o troco é dado enquanto o ônibus sacoleja pelo antipó e pelo asfalto. Ou o pobre motorista não cumpre a escala e é penalizado.

A resposta da Urbs mostra que nem mesmo isso é fiscalizado. "Até a presente data (...) não ocorreu nenhuma constatação de motorista estar dirigindo e efetuando cobrança ou devolução de troco simultaneamente." Como assim? A Urbs explica. "Isso pode ter ocorrido, devido à presença do fiscal, nos pontos de controle de horário, em terminais, inibindo uma atitude por parte de motoristas."

Depois, a Urbs diz que iria começar a fazer o seguinte: colocar o fiscal dentro do ônibus durante o trajeto, para ver se havia irregularidades. Poupo o trabalho das autoridades. Há irregularidades o tempo todo. E a maior delas é da parte da própria Urbs, que resolveu ignorar a lei em função de motivos econômicos.

Fruet tem de decidir o que fazer: manda que respeitem a lei e coloca cobradores nos ônibus ou aceita que mantenham os motoristas e passageiros em situação de risco, fingindo que não vê o que está acontecendo. Afinal, leva-se a lei a sério nesta cidade?

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