Por uma dessas boas coincidências da vida, saíram por esses dias duas pesquisas interessantes sobre democracia no Brasil. Uma do Ibope, outra do Datafolha. As duas trazem resultados que, à primeira vista, podem parecer muito diferentes. Mas talvez não sejam. Ambas tentam medir o apreço do brasileiro pelo regime democrático. Mas o truque é que o fazem usando metodologias diferentes.
A pesquisa Ibope mostra uma satisfação maior com a democracia no Nordeste (50%) do que no Sudeste (32%). E os que têm menos estudo estariam mais satisfeitos (44%) do que aqueles que completaram o ensino superior (35%). O típico "antidemocrata" seria jovem, morador de Sudeste e de classe média. Em outras palavras, os mais privilegiados estariam mais insatisfeitos com a democracia.
O Datafolha mostra as coisas aparentemente diferentes. Quem diz que a democracia é o melhor regime possível, na comparação com qualquer ditadura, são principalmente as pessoas com maior nível de escolaridade. E a diferença é bem grande: enquanto entre os eleitores com ensino fundamental o apoio à democracia é incondicional em 54% dos casos. Entre os que têm ensino superior, o apoio é de 80%. Aqui, os privilegiados são mais "democratas".
A contradição é menor do que parece. Primeiro porque os recortes não são iguais. Segundo porque as perguntas feitas são diferentes. No Ibope, o que se perguntou foi se o entrevistado estava satisfeito com a democracia brasileira. Ora, estar satisfeito é uma situação momentânea. E a insatisfação do eleitor do Sudeste com a democracia no momento, por exemplo, pode ter tudo a ver com as eleições deste ano: em São Paulo, principalmente, era nítida a preferência por Aécio Neves.
A situação mostrada pelo Datafolha é outra. A pergunta não trata do momento, mas de uma ideia geral: a democracia (em geral) é ou não melhor do que qualquer ditadura que pudesse ser posta em seu lugar? Trata-se de uma convicção, não de uma satisfação momentânea. E aqui o recorte pelo nível de educação pode dar uma pista do que está acontecendo.
Para o professor Daniel Medeiros, que há mais de duas décadas dá as melhores aulas de História e política para jovens curitibanos, isso mostra o quanto é importante dar mais educação para o povo em geral. "A pesquisa demonstra o quanto é claro que o maior perigo para a democracia é a falta de educação", escreveu ele. Faz sentido. Mas tem um outro dado interessante para se observar.
O filósofo John Rawls era um otimista quanto ao futuro da democracia. Ele dizia que, com o tempo, um regime do gênero ganharia adepto porque as pessoas perceberiam que só nesse tipo de sociedade elas ganhariam a liberdade de viver como quisessem, de fazer o que quisessem, sem ser limitadas pela opressão típica de uma ditadura. A escolha pela democracia, assim, seria uma escolha racional. Opta-se por ela porque há benefícios para todos.
Voltando à pesquisa: os entrevistados de maior nível de ensino provavelmente tiveram mais chances na vida. E ao viver numa democracia conseguem perceber o quanto isso é libertador. Conseguem perceber ainda o risco que há quando um ditador toma o poder e impede as pessoas de se manifestarem ou de falarem livremente. Já o sujeito menos privilegiado talvez ainda não tenha criado esse laço tão forte com a democracia porque não se sentiu beneficiado. Para ele, o regime atual e outro talvez sejam iguais porque em ambos ele continua sendo excluído de vários direitos.
Assim, para garantir mais apoio à democracia o fundamental é mostrar que as instituições funcionam bem: que num regime desse tipo as pessoas têm garantia de acesso à educação; que haverá bom atendimento à saúde; que os criminosos serão presos; que a corrupção não sairá impune. E muito mais. Por que ficarão a favor de algo se não virem suas vidas melhorarem? Eis uma boa pergunta.
Um dado positivo, porém, consta de ambas as pesquisas. Nos dois casos, o apreço pela democracia vem crescendo. Ainda bem.
Dê sua opiniãoO que você achou da coluna de hoje? Deixe seu comentário e participe do debate.
Impasse sobre apoio a Lula provoca racha na bancada evangélica
Símbolo da autonomia do BC, Campos Neto se despede com expectativa de aceleração nos juros
Copom aumenta taxa de juros para 12,25% ao ano e prevê mais duas altas no próximo ano
Eleição de novo líder divide a bancada evangélica; ouça o podcast