É batata. Pegue alguém que insiste muito na tese de que a democracia brasileira (ou qualquer democracia) é uma farsa: essa pessoa quer algum tipo de ditadura. Isso não vale para quem simplesmente critica o jogo democrático. Para quem acha que as coisas deviam melhorar. Vale só para quem insiste o tempo todo que toda democracia é uma mentira.
Verdade: o Congresso brasileiro não tem facilitado a vida de quem quer defender a democracia que temos. (A Presidência e o Judiciário, para falar a verdade, às vezes também tornam a tarefa cansativa.) E, no fundo, defender a democracia nunca foi simples.
Durante muito tempo, até pertinho do século 20, chamar alguém de “democrata” era um xingamento. Era dizer que essa pessoa queria contestar as formas tradicionais de governo e substituir isso por um modelo caótico em que o povo (imagine, o povo!) tinha poder de decisão.
Na frase clássica de H.L. Mencken, já no século 20, a democracia era “administrar o circo a partir da jaula dos macacos”. Nós, os macacos. Foi preciso um longo caminho para que “democracia” passasse a ser uma palavra admirável – a ponto de até os autoritários precisarem prestar falso tributo a ela.
Olhando a atuação dos nossos políticos profissionais às vezes dá para entender a aflição que a democracia causa. Pense: deputados que sempre fizeram caixa dois, por medo da prisão de amigos e da delação de seus mecenas, tentam anistiar a si mesmos. Quando parece que não dá, inventam outros modos de barrar a investigação, como a incrível prescrição em seis meses.
É evidente que é preciso melhorar muito. Nosso Congresso é terrível. Mas a única saída decente é justamente a mais lenta: investir em educação, fazer a reforma de leis, reforçar instituições como a PF e o Ministério Público... Saídas imediatistas? Claro que existem. São as daqueles que apontam nossa democracia (e qualquer outra) como farsa.
Viu-se como funciona por esses dias, com a morte de Fidel. Quem lembrava que Castro não permitia democracia ouvia horrores. Bastava lembrar que o partido era único, que só havia imprensa estatal, que não há eleições livres para ouvir: e você acha que o Brasil é melhor?
Sim, o Brasil é muito melhor.
Aqui, se o Congresso é ruim, pode-se votar em outro. Se o presidente se envolve em algo que não deve: impeachment. Se alguém comete fraude, por mais que exista impunidade, está aí a Lava Jato.
No mínimo, você tem a liberdade de estar lendo este texto. Eu tenho a liberdade de escrevê-lo. E você não precisa se esconder caso queira me criticar. As pessoas podem se reunir, pensar o que quiserem, dizer o que pensam e votar na oposição. Porque existe oposição.
É preciso melhorar muito. Porque as coisas são sofríveis. O que não dá é para defender que, só porque as coisas são ruins, precisamos piorá-las. Porque, no fim das contas, foram governos ditatoriais e autoritários (saídas “simples” para problemas anteriores) que criaram boa parte dos problemas que temos hoje.
Governos que acham que não precisam ouvir a população. População que acha que deve “obediência” às elites. Compadrio entre as elites econômicas e políticas. Impunidade. Falta de cidadania e de transparência.
Respire fundo. As coisas melhoram. Toda democracia que se aguenta tempo suficiente tende a melhorar, e muito, o país. Apesar do Congresso atual que, realmente, se esmera em tirar as nossas esperanças, é preciso não desistirmos de nós mesmos. Nós, o povo.