Não foi fácil a tarefa de questionar o Tribunal de Justiça do Paraná nos últimos dois anos. Não por falta de assunto: foram várias as decisões duvidosas na gestão do desembargador Miguel Kfouri. Os gastos com privilégios dos magistrados, que nunca foram baixos, subiram rapidamente com todo tipo de regalo fornecido pelo nosso dinheiro. Os desembargadores receberam de frutas frescas a carros blindados, tudo pago por mim e por você.
A dificuldade estava na reação à crítica. Miguel Kfouri não aceitava bem os questionamentos e às vezes se saía com explicações que mais pareciam tiradas de um livro qualquer defendendo a aristocracia francesa pré-revolucionária. Afirmava que os desembargadores, em última instância, merecem mesmo privilégios porque fazem um papel social importante: não existe atividade mais nobre do que a de julgar, dizia. Durma-se com um barulho desses.
Um mérito, porém, não se pode negar. Kfouri nunca se recusou a falar com a imprensa. Sujeito bonachão, atendia o celular sempre que os repórteres ligavam e dava sua versão para qualquer polêmica. Mesmo parecendo um defensor das oligarquias, aceitava o debate aberto. Conversava. Era alguma coisa.
Veio a eleição e quem sucedeu a Miguel Kfouri foi Clayton Camargo. Na semana que passou, com a presença da corregedoria nacional no TJ, o novo presidente passou pelo seu primeiro questionamento público no cargo. Quem serviu de cobaia foi o repórter Euclides Lucas Garcia, desta Gazeta, que ligou para o desembargador e ouviu a mais improvável resposta de um homem público. Clayton Camargo disse (e foi gravado dizendo) que não precisa prestar contas e mandou o repórter entrevistar a própria mãe.
O caso era sério. No fim das contas, como adiantou a reportagem do jornal, o presidente do TJ está sendo investigado por uma denúncia de tráfico de influência. O TJ também recebeu uma nota baixa no quesito eficiência e teve a orelha puxada pelo Conselho Nacional de Justiça: em vez de pagar 25 novos desembargadores, deveria era se preocupar em melhorar a eficiência dos que já estão lá.
O clima foi tenso. O mesmo Euclides Garcia foi expulso por seguranças da antessala da presidência. Os repórteres que foram à coletiva do corregedor Francisco Falcão foram escoltados por vigilantes. Houve funcionários dizendo que estavam sendo barrados em sua tentativa de entregar documentos ao corregedor. A liberdade de imprensa e a democracia sofreram seu tanto.
O Judiciário é e sempre será o menos democrático dos poderes. Seus integrantes não são eleitos e não precisam de votos, o que lhes dá uma certa liberdade para não ouvir o que a população deseja. Daí, no entanto, a defender que os desembargadores têm o dever de não prestar contas é algo muito diferente.
A sorte é que o CNJ está aí. Não para condenar ninguém antecipadamente, afinal Clayton Camargo, como qualquer cidadão, e não por ser presidente do TJ, tem direito a ser ouvido e se defender. Pode ser inocente, claro. Mas o fato de o conselho existir foi o que permitiu que a sociedade, afinal, soubesse que existiam problemas e dúvidas sobre o comportamento da cúpula do Judiciário local.
O CNJ é a melhor notícia do Juciciário brasileiro. O comportamento do desembargador Clayton Camargo, a pior notícia do noticiário local.
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