Uma das grandes vantagens de ser jornalista é poder conhecer certas pessoas que, de outro jeito, você talvez não tivesse oportunidade. Tive a chance, por exemplo, de entrevistar mais de uma vez a doutora Zilda Arns. Apenas uma delas foi mais longa, ao vivo, na própria sede da pastoral. Objetiva, inteligente, em pouco tempo ela passava mensagens importantes. E logo passava para a próxima tarefa.
Na profissão também tive a chance de conhecer bons jornalistas, como o grande colega Franco Iacomini Júnior. Esperto em leitura de balanços, ele mostrou nesta semana como funciona o financiamento da Pastoral da Criança. E revelou que, além dos repasses do governo federal e das doações de grandes empresas, entra muito dinheiro de pequenos doadores. Na verdade, enquanto as empresas vêm diminuindo suas doações, as pessoas que dão R$ 5 ou mais em suas contas de energia doam cada vez mais para a pastoral.
Isso pode revelar uma melhoria na renda dos brasileiros. Mas, certamente, não é só isso. Afinal, as pessoas estão endividadas e reclamam frequentemente quando têm de dar dinheiro a algo que não lhes dá retorno imediato. Não criaram até um impostômetro, para medir quanto damos anualmente a todos os níveis de governos? E, no entanto, para a pastoral as doações aumentam.
O fato é que as pessoas não reclamam propriamente do fato de ter de pagar impostos. O que as irrita é não ver uma contrapartida por parte do governo. Ou seja: elas veem o dinheiro sair e não conseguem perceber aquilo se transformando em benefícios para elas ou para alguém. Às vezes, pode ser um sentimento injusto. Mas, em geral, parece ser senso comum: recebemos pouco pelo muito que pagamos.
E eis o porquê de as pessoas se sentirem à vontade para doar cada vez mais dinheiro para a pastoral. É que os resultados aparecem, são nítidos e tremendamente importantes. Onde a pastoral chega, a desnutrição cai, crianças sobrevivem, os índices de mortalidade caem. E ninguém se nega a dar um pouco de dinheiro para isso.
E as pessoas não dão apenas dinheiro para a pastoral. Dão seu tempo, dão suas vidas. Enquanto os governos sofrem com a desconfiança de todos os lados e mal mobilizam as pessoas para ir às urnas uma vez a cada dois anos, a pastoral tira mães de família diariamente para prestar um serviço que elas não têm nenhuma obrigação de fazer.
A experiência da doutora Zilda Arns mostra que não são as pessoas que se desinteressaram da vida pública, da ideia de fazer algo pelo próximo. Não desistiram de sua comunidade nem ficaram mesquinhas. Se elas desistiram de alguma coisa foi de acreditar nos políticos profissionais.
A lição que fica da pastoral para quem acredita na política como forma de transformar uma sociedade é, principalmente, essa: que se alguém mostra que está realmente fazendo algo pelos demais, que seu trabalho é inteligente, sério, que não desperdiça dinheiro e acha soluções importantes para os problemas da gente, conseguirá sem dúvida atrair gente para suas fileiras.
O problema não está na sociedade, provou a grande doutora Zilda. Está nas suas lideranças. Se elas forem mais parecidas, um pouco que seja, com a fundadora da pastoral, terão inclusive mais eleitores e mais prestígio. Resta alguém fazer a tentativa.
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