Gente importante que precisa se expor em público, dar entrevistas, comparecer em eventos etc. costuma pagar caro a profissionais especializados. Normalmente, essa gente importante recorre a profissionais de “media training”, “personal stylists” e a fonoaudiólogos que ensinam como se postar diante de uma câmara, se vestir bem e melhorar a dicção. A despeito das fragilidades dos clientes, não poucos alcançam resultados surpreendentes e até milagrosos.
Num patamar mais sofisticado, recorre-se a outros mecanismos eficientes. Se o “cliente”, por exemplo, vai dar uma entrevista ao vivo numa emissora de televisão e se o telespectador também puder dirigir perguntas “espontâneas” a serem lidas durante a apresentação, por que não as elaborar previamente e convocar os “amigos” a fazê-las, não sem antes treinar as respostas com o entrevistado?
Foi o que aconteceu durante as horas que antecederam a entrevista que o governador Beto Richa deu em São Paulo à jornalista Mariana Godoy (ex-Globo) na RedeTV sexta-feira à noite. Durante o dia, centenas de “ativistas” receberam mensagens estimulando-os a enviar perguntas. Assim:
Bastidores 1
Ex-deputado, ex-quase senador, o empresário Tony Garcia nunca deixou de frequentar gabinetes influentes – e nunca deixou de confessar seu gosto em prospectar bons negócios, garimpados principalmente naqueles ocupados por amigos que subiram na vida política. Por isso, desde os tempos em que Beto Richa era prefeito de Curitiba e já como governador, Tony transitava com desenvoltura nas salas e antessalas do amigo de infância e companheiro de corridas de kart.
Bastidores 2
Tanta amizade e tanta proximidade não explicam (ou explicam?) a carta aberta que Garcia postou no Facebook na última quinta-feira. Dirigindo-se a Beto, não poupa afirmações e adjetivos ruinosos para a imagem do governador – coisas que não se falam sobre amigos. O que se deu nos bastidores?
Bastidores 3
O Palácio Iguaçu deu de ombros à carta – “vinda de quem veio, não há por que nos preocupar”, diziam pelos corredores os assessores mais próximos. Na intimidade, porém, os mesmos assessores listavam possíveis motivos pelos quais Garcia resolvera abrir a caixa de ferramentas. A lista ficou grande, mas teriam identificado o maior dos motivos.
Bastidores 4
Segundo fontes do 3º andar, teria a ver com a PPP que o governo firmou em 2013 com a Odebrecht para a concessão da PR-323, rodovia de 220 km e quatro praças de pedágio, no Noroeste do Paraná. Um a um, competidores foram sendo alijados; só sobrou a Odebrecht associada ao grupo paranaense Tucuman. O consórcio ficaria com o pedágio por 30 anos e ainda receberia R$ 2,7 bilhões do governo. Com a Odebrecht abatida pela Lava Jato, a obra nem começou...
“Caros amigos ativistas. Vocês andam com saudades da campanha? Pois hoje teremos a grande oportunidade de reviver esse grande momento com ações intensivas na rede. O governador será entrevistado ao vivo pela jornalista Mariana Godoy na RedeTV, a partir das 22h30. [...] As questões do público serão lidas no palco [...]. Vamos aproveitar para disseminar as boas práticas do governo paranaense mandando perguntas e publicando os melhores momentos da entrevista no Facebook. [...]. Juntos somos fortes e imbatíveis. Já provamos isso várias vezes.”
As perguntas sugeridas saíram sob medida para levantar bolas para o entrevistado marcar gols sucessivos. Alguns exemplos:
• O governo do Paraná já reservou recursos para obras de infraestrutura em 2016?
• Analistas dizem que a crise vai se aprofundar ainda por 2 anos. O Paraná está preparado para isso?
• É verdade que o Paraná vai oferecer o coração artificial na rede pública de saúde?
• Mesmo necessário e eficiente, o ajuste fiscal feriu a sua imagem. O senhor faria de novo?
• Com a crise econômica, o que tem diferenciado o Paraná do resto do Brasil?
• Como o senhor enxerga a situação da educação no Paraná, onde o maior sindicato da categoria é aliado do PT?
• Com a crise muitas empresas estão deixando o Brasil. O que o Paraná está fazendo para manter e atrair empresas?
• Como está a previsão do orçamento do Paraná?
• Acredita que o governo federal discrimina estados por interesses políticos?
A autoria das perguntas e sua difusão antecipada aos “ativistas” devem-se a um grupo de comissionados que se abriga sob o nome fantasia “Tenda Digital”. Não se sabe se a arte de preparar entrevista foi também custeada com recursos públicos – computadores e celulares corporativos, por exemplo.
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