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Dizem observadores de todos os naipes e oposicionistas de modo geral que a presidente Dilma Rousseff colocou um "bode na sala" para dar a impressão de que seu governo, tendo compreendido a mensagem das ruas, fazia de conta que estava lhes dando resposta. O "bode" é esse tal de plebiscito sobre reforma política que apresentou como principal panaceia anticrise.

Até agora deu certo: está todo mundo incomodado com o "bode" enquanto todas as outras inúmeras e difusas questões presentes na manifestação das massas permanecem onde sempre estiveram – salvo pelas iniciativas atabalhoadas do Congresso de aprovar medidas "populares" que, até então, os parlamentares empurravam com a barriga.

Coisas do tipo considerar corrupção como crime hediondo, quando se sabe que nem mesmo penas leves, já previstas na legislação, sofre a maioria dos corruptos que vicejam na administração pública. O problema, portanto, não é classificar o crime de hediondo, mas de não deixar prosperar a impunidade de sempre.

Em todo o caso, enquanto o "bode" permanece na sala, discute-se o que fazer com ele. Convocar plebiscito é prerrogativa do Parlamento e não do Executivo, esbraveja quase todo mundo minimamente letrado em constitucionalidades.

E se, mesmo assim, ainda que convocado pelo Congresso, o que perguntar ao distinto público sobre reforma política que seja possível responder "sim" ou "não"? A própria presidente esboçou algumas perguntas: você é a favor do financiamento público de campanhas? Como responder com singelos "sim" ou "não" se não se pode ter certeza de que tal medida é mesmo capaz de moralizar a representação política? Quais seriam as regras para implantar o financiamento público? Quanto custaria ao erário?

Você é a favor do voto proporcional ou distrital? Ou tem preferência por um sistema misto? Dar-lhe-ão tempo e informações honestas para que você possa dizer "sim" ou "não"? E o que você acha da lista fechada de candidatos? O que é isso mesmo? Mas responda: sim ou não?

Questões tão complexas como essas não são de domínio ou de compreensão simples pelo povo que será chamado a votar num plebiscito ou mesmo se, depois de prontas, as novas leis passem por um referendo popular. Tudo isso serve apenas para redobrar o risco de o resultado desse tipo de participação popular fazer surgir, ao contrário do que se quer, um outro monstrengo que mais agrave a doença que se quer curar. Então, já é tempo de devolver o "bode" ao pasto e trabalhar.

Está na hora de o Congresso fazer a sua parte

A doença que se quer curar tem várias faces e atinge todos os Poderes. Um dos sintomas que mais distorcem a representação política e mais ferem a democracia real pode ser facilmente encontrado dentro do próprio Congresso, que ao longo dos últimos 20 anos debateu inúmeros projetos de reforma política e nunca chegou a nada. Mas agora o que os congressistas discutem, ofendidos, é se Dilma tinha ou não competência sequer para sugerir plebiscitos! É o "bode" que ainda está na sala.

Outra questão: fazer plebiscito agora, com tão pouco tempo antes do prazo final (5 de outubro) para que mudanças na legislação eleitoral façam efeito já no pleito do ano vem, é chover no molhado. Não há tempo para isso. O que significará manter para as eleições gerais do ano que vem as mesmíssimas regras atuais – essas que são responsáveis pelos vícios e distorções da representação popular em todos os seus níveis. Continuarão as coligações esdrúxulas, permanecerão os partidos de aluguel, as disparidades na distribuição de vagas entre os estados – enfim toda a caixa de pandora da qual nasceram o mensalão, a distribuição de cargos ministeriais (absurdos 39 atualmente!) e adjacentes com base em acordos espúrios de bastidores para facilitar a formação de falsas maiorias.

O mais prático é tirar logo o "bode da sala" e fazer o Congresso trabalhar nestes três meses que faltam para o prazo final das mudanças. Que se aperfeiçoem, se fundam e se votem responsavelmente as propostas de reforma política que já tramitam no Parlamento, com a necessária advertência de que, neste momento, o melhor é não contrariar a voz das ruas.

Se o Executivo não cumpre a sua parte com saúde, educação, segurança, infraestrutura etc., que o Congresso faça pelo menos a parte que lhe toca, a reforma político-eleitoral – tão urgente quanto todas as demais carências que levaram multidões a serpentear nas ruas e praças de todo o país.

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