Com o Centro Cívico sitiado por 1.500 policiais militares destacados para conter os ânimos de 5 mil manifestantes que ocuparam a Praça Nossa Senhora da Salete, o governo obteve nesta segunda-feira (27) suas primeiras vitórias para aprovar, em primeira discussão, dois projetos polêmicos de sua autoria. Um deles trata de ajuste fiscal – uma tentativa da Fazenda para angariar fundos mediante a venda de direitos sobre tributos vencidos e não pagos – e o outro, mais questionado, que faz alterações profundas no sistema previdenciário do servidor público.
O êxito do governo, que temia a repetição dos episódios de fevereiro, quando a massa invadiu as instalações da Assembleia e impediu a votação das versões originais dos mesmos projetos, se deveu ontem a uma conjunção de fatores:
• Os policiais convocados para a guarda da Assembleia eram em número três vezes maior do que aquele destacado no dia a dia para dar segurança à cidade inteira.
• Os PMs foram instruídos de modo muito rigoroso para que não se comportassem como em fevereiro, quando o improviso e a insatisfação dentro da própria corporação tornou-os, digamos, “benevolentes” demais com os manifestantes.
• A direção da Assembleia agiu preventivamente e não permitiu o acesso de ninguém às galerias do plenário. Para tanto, serviu-se de um “interdito proibitório” obtido na Justiça para não deixar que estranhos entrassem na “casa do povo”.
• Funcionou ainda a intimidação do Executivo, que também conseguiu uma decisão judicial considerando ilegais as greves decretadas pelo funcionalismo, o que lhe dá o poder de descontar dos salários os dias parados.
Reunidas, tais medidas beiram o que se entende por “estado de sítio” – situação excepcional que o país viveu inúmeras vezes sob governos autoritários desde a proclamação da República. Sob o nome agora de “estado de defesa”, o dispositivo está inscrito no artigo 136 da atual Constituição.
Na verdade, a cláusula só pode ser usada pelo presidente da República “para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social”. Serve para o governo poder usar a força, se necessário, em caso de iminente ameaça institucional.
Assim, durante um “estado de sítio”, o Executivo pode suspender temporariamente os direitos e garantias constitucionais, coletivos ou individuais, e até mesmo submeter os poderes Legislativo e Judiciário ao seu mando.
Pergunta-se: o que aconteceu nesta segunda no Paraná não se pareceu mesmo com o eufemístico “estado de defesa” previsto na Constituição?
Tá bem, que seja, é um exagero! Mas ver um espaço público cercado pela polícia para que o direito de ir e vir (também constitucional) não pudesse ser exercido com liberdade; ver as galerias da Assembleia fechadas ao público durante debates de alto interesse coletivo; saber que a Justiça colaborou para deixar o povo de fora; e ver lá dentro da Assembleia deputados em sua maioria obedientes e/ou silentes quanto às orientações palacianas – tudo isto lembra, sim, os velhos “estados de sítio”, impensáveis na democracia que imaginamos viver hoje em dia.
Por que chegamos a este ponto? Porque...
• Ao contrário da pregação de que o Paraná viveria um novo tempo marcado pela eficiência administrativa (que a propaganda difundiu sob o nome de choque de gestão), as finanças públicas caíram na mais profunda desordem, acumulando dívidas e cortando serviços essenciais.
• Ao contrário da proclamada disposição para o diálogo permanente, preferiu-se o caminho da imposição de medidas amargas pela via dos pacotaços tributários e dos tratoraços sobre o Legislativo.
• Ao contrário da boa vontade que os levou a garantir a reeleição e altos índices de aprovação ao atual governo, os paranaenses se mostram hoje arrependidos e dispostos a reagir ao desmando administrativo e ao autoritarismo político.
Somem-se também todos esses fatores para se concluir que tanto o “estado de sítio” quanto o desespero para encontrar soluções para os problemas que ele próprio criou só poderiam dar no que temos diante dos olhos ou sentimos na carne: na carga tributária estadual na estratosfera e no avanço a recursos que pertencem ao alheio.
No caso, o alheio é o próprio servidor público que, não tendo responsabilidade pela história do descontrole administrativo, vem sendo agora chamado a pagar a conta. Na forma, principalmente, das mudanças na Paranaprevidência, que põem em risco a poupança acumulada com os descontos no salário de cada um.
O “estado de sítio” tende a continuar até a madrugada escura e provavelmente fria desta quarta-feira, 29 de abril, dia de Santa Catarina de Sena, que entrou para a história por seu trabalho em favor das vítimas da “peste negra”.
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