Favor não confundir Greca com Trump

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“Volta Curitiba”. Este foi o mote da campanha de Rafael Greca durante a campanha que o elegeu prefeito em outubro. Suas equipes de marketing souberam explorar o sentimento saudosista dos eleitores que vivenciaram o período de ouro do desenvolvimento urbano de Curitiba, modelo para o mundo, e que imaginavam ser possível entrar no túnel do tempo e resgatar a cidade perdida.

Sonhava-se com aquela Curitiba das décadas finais do século 20, ainda mal chegada ao milhão de habitantes e orgulhosa das inovações no transporte público, das soluções ecológicas, do calçadão da Quinze e de obras icônicas como o Jardim Botânico, inúmeros parques, lagos...

Segura, a cidade apresentava baixos índices de criminalidade, os serviços públicos eram aceitáveis, mão de obra mais qualificada era ainda relativamente abundante. A imagem correu o mundo, atraiu grandes indústrias, Curitiba mudou.

E continuou mudando. Não parou. Mudou com as sucessivas crises nacionais que sobrevieram, com a explosão demográfica, com a urbanização acelerada, com o crescimento das demandas sociais inversamente proporcionais aos recursos públicos, cada vez mais escassos, necessários para atendê-las. Em resumo, apesar disso tudo, Curitiba ainda se manteve como uma das melhores cidades para se viver no Brasil.

Greca, no entanto, alimentou o imaginário popular com a possibilidade de, a partir de sua posse como prefeito, atrasar o relógio da história e devolver a cidade aos momentos paradisíacos que viveu. A começar pela limpeza pública, que acusava – com razão – ter sido relegada ao desleixo pela administração anterior.

Grandes transformações ainda estão no terreno das promessas e das hipóteses, mas a “limpeza” urbana já começou. Não necessariamente aquela que pode ser cumprida pelos garis que varrem ruas, cortam mato, recolhem dejetos – mas outra, de outro gênero: a limpeza humana. Quando se lembra da reação de Greca quando deu carona a um pobre, torna-se compreensível este esforço higienista.

Um dos primeiros atos da gestão foi acabar com o guarda-pertences que 15 moradores de rua usavam na praça Osório. Em outras palavras, uma tentativa de obrigar os pobres que faziam da praça o seu “lar” a sair de lá para devolvê-la às crianças da redondeza. Como se as duas coisas não pudessem ser compatibilizadas mediante ações sociais de respeito à dignidade humana de uns e o direito de outros.

Por meio do programa Balada Segura, o prefeito “limpa” também as ruas do centro da cidade que, à noite e nas madrugadas, aborrecem a vizinhança com seus bares agitados e barulhentos. Perfeito: limites são necessários e a autoridade pública tem mesmo de agir para conter os excessos e as transgressões à lei e à ordem. O problema está na “espetacularização” das ações, com o fim claro de atrair os holofotes da mídia. Conseguiu, até mesmo com o inusitado uso (voluntário, mas constrangedor e contraditório) de bafômetros para medir o grau de alcoolismo de quem se senta a uma mesa de bar para tomar cerveja.

Sem falar que a administração Greca “limpou” a cidade dos cultores da arte que há 35 anos, todo janeiro, faziam da Oficina de Música de Curitiba um ponto de encontro e referência internacional. Evento que agregava à cidade ares de civilização, cosmopolitismo e cultura. Na mesma esteira, atingiu também a festa popular do carnaval – já pobre por natureza, mas agora com menos participação e animação por parte da prefeitura.

Outra “limpeza” é a de ambulantes, gente que à falta dos empregos formais que a recessão ceifou, sustenta suas famílias vendendo bugigangas nas ruas. E, de novo, a “limpeza” virou espetáculo esta semana no Sítio Cercado – aquele bairro tão citado por suas carências durante a campanha: lá foi a a Guarda Municipal para confiscar com violência as mercadorias enquanto a fiscalização da Secretaria de Urbanismo autuava os pobres. Nada de lhes oferecer alternativa de sobrevivência.

Em todos os casos citados, a limpeza real foi humana, mas favor não confundi-la com o muro de Trump: a semelhança está só na intenção higienista de tirar de perto os indesejáveis, os mais vulneráveis e indefesos. Volta Curitiba?