A Operação Lava Jato também tem seu lado bíblico, muito apropriado para esta Semana Santa. Está lá no Evangelho de São Mateus um profético versículo no qual, dirigindo-se aos discípulos que Lhe mostravam a grandiosidade e a beleza do templo, o Mestre diz: “Não vedes tudo isto? Em verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derrubada”.
Pois é, enquanto Cristo se referia mais ao mundo espiritual, no plano terreno da política apareceu a Lista da Odebrecht – um catatau blasfemo de planilhas identificando, por nome, partidos e valores, os beneficiários da generosa cornucópia da empreiteira. Não sobra pedra sobre pedra: figuram na relação mais de 200 políticos de 24 partidos de quase todos os estados brasileiros.
Errados estavam os que profetizavam que a Lava Jato pegaria apenas a turma que mamava diretamente na Petrobras e apenas aqueles que, além de se locupletar pessoalmente, redistribuíam a grana somente para os amigos do rei, para os partidos da “base, aliada” e para uns raros oposicionistas.
Não sobra um, meu irmão. E é preciso notar: o que se revelou é apenas mais outra pontinha do gigante iceberg ainda parcialmente mergulhado no mar de lama da política brasileira. O aprofundamento das investigações – principalmente depois que vier à luz a delação premiada prometida pela cúpula da Odebrecht – pode revelar se houve ou não crime eleitoral nas doações. Se eram legais, se destinadas ao caixa 2 ou se serviam à locupletação de particulares.
O ecumenismo das doações feitas em 2010, 2012 e 2014 pode ser confirmado pela lista dos beneficiários do Paraná. Dela fazem parte o governador Beto Richa (PSDB), o ex-prefeito Luciano Ducci (PSB), o prefeito Gustavo Fruet (PDT), os deputados Ratinho Jr. (PSC) e Ricardo Barros (PP), a senadora Gleisi Hoffmann (PT). Só aí são seis partidos e seis correntes que já se confrontaram em diferentes eleições.
No plano nacional, a lista se amplia em mais 12 legendas, de esquerda, de centro ou de direita, tanto faz.
Mas fez bem o juiz Sergio Moro ao decretar sigilo sobre o inquérito que envolve a descoberta da explosiva relação. É que, no seu entendimento, ainda não é possível separar o joio do trigo. É ainda impossível estabelecer correlação direta entre as doações e a suposta (i)legalidade dos repasses.
Há casos, por exemplo, em que as transferências nem foram para o nome dos candidatos, mas para o diretório nacional de seus partidos que, por sua vez, as depositaram em favor dos diretórios estaduais ou municipais. Este salto triplo desobriga os candidatos a declararem (talvez até por não terem conhecimento) qual teria sido a fonte original e a legalidade dos recursos.
Nesta situação, por exemplo, está o próprio governador Beto Richa, que aparece como beneficiário de uma doação da Odebrecht na campanha de 2010 – com o detalhe, porém, de que ela foi intermediada pelo diretório nacional do PSDB. O mesmo se deu com o prefeito Gustavo Fruet, que recebeu da mesma empreiteira por meio do diretório do PDT.
A Odebrecht conquistou ao menos uma obra no governo de Richa (duplicação da rodovia 323, com 220 km, no Noroeste do Paraná, com concessão de pedágio por 30 anos). Fruet e Luciano Ducci afirmaram – em entrevista ou por nota – que a empreiteira não participou da execução de nenhuma obra em suas administrações.
É este tipo de dúvida que só uma investigação da Polícia Federal e do Ministério Público pode resolver. É preciso saber se houve troca de favores, tráfico de influência ou oferta de propina para que o estado, sem concorrência, firmasse a PPP com a Odebrecht para a concessão da Rota 323. Ou se a operação foi totalmente legal.
Abstraídas todas as dúvidas, ainda assim permanece a sensação de que não sobrará pedra sobre pedra nesta triste fase da política brasileira. Infelizmente, não é de se duvidar que as pedras derrubadas pela Operação Lava Jato sirvam, no futuro, à construção de estruturas mafiosas semelhantes – exatamente como aconteceu na Itália após a Operação Mãos Limpas. A ousadia costuma ser interminável.