Espera-se que o constrangedor espetáculo de demagogia a que o Brasil assistiu domingo na Câmara dos Deputados não se repita no Senado, onde, desde ontem, tramita o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Blasfemas invocações a Deus e hipócritas referências a valores familiares e morais, tão repetidas por deputados sem autoridade para fazê-las, precisam ser abolidas daqui em diante pelos senadores – em nome da sincera responsabilidade cívica e de compromisso real com o futuro do país que lhes cabe.
A gravidade do momento político vivido pelo Brasil exige comportamento à altura, sem mais aqueles shows protagonizados por “papagaios de pirata”, por gritarias, por cusparadas e xingamentos – atitudes inversamente proporcionais à seriedade com que deveria se desenvolver o debate parlamentar.
Dentre as 511 manifestações de deputados que durante horas se enfileiraram diante do microfone para declarar seus votos, meia dúzia, no máximo, teve discernimento para dedicar suas falas aos temas centrais do processo de impeachment. Isto é, justificar seus votos – pelo “sim” ou pelo “não” – por convicções firmes em relação às alegadas transgressões às regras fiscais e aos atropelos legais para manipular o orçamento. E se tais atos configuraram de fato crime de responsabilidade.
Para eles, mais importante era ‘aparecer’ diante das câmeras, deixando muito visível a irresponsabilidade que devotam aos próprios mandatos e, consequentemente, à população que os elegeu.
Ninguém se deu ao trabalho, por exemplo, mesmo ao longo das semanas que antecederam o dia da votação, de trazer argumentos sólidos e irrefutáveis sobre as perdas reais causadas pelo inegável descontrole das finanças. Ninguém (ou, para evitar injustiças, poucos) fez relação direta e inteligível entre pedaladas e perda de capacidade do governo de prover recursos para a manutenção de políticas e programas de interesse público.
Os que votaram “não” ao impeachment, reduzindo-o a um golpe, e mesmo entre os que votaram “sim”, ressaltaram argumentos paralelos, desfocados da verdadeira razão que pode levar um presidente da República ao afastamento, isto é, o cometimento de um dos crimes de responsabilidade como definidos pela Constituição.
Espera-se que, ao contrário dos deputados, os senadores agora o façam. E de tal modo que não subsistam dúvidas sobre a legalidade de qualquer resultado do processo que agora corre no Senado – quer condenando Dilma Rousseff à perda do mandato, quer absolvendo-a.
É o único modo de o parlamento brasileiro se redimir do deprimente espetáculo circense comandado pelo presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha.
Nulidade 1
A Procuradoria Geral do Estado (PGE) pediu ontem à Justiça a rescisão dos termos da delação premiada que o auditor da Receita Estadual de Londrina Luiz Antonio de Souza firmou com o Gaeco por conta do esquema desvendado pela Operação Publicano. O esquema teria desviado R$ 500 milhões dos cofres públicos e consistia em achacar contribuintes inadimplentes.
Nulidade 2
Antes, a PGE havia requerido a nulidade da delação – pedido já arquivado pelo juiz da 3.ª Vara da Fazenda de Londrina –, mas continua tramitando, ainda sem decisão, um novo requerimento, desta feita pedindo a rescisão. O procurador-geral do Estado, Paulo Rosso, entende que, ainda que não seja anulado, o acordo de delação não tem como ser cumprido. Souza confessou ter se locupletado com R$ 40 milhões, prometeu devolver R$ 20 milhões representados por uma fazenda no Mato Grosso e apontou supostos comandantes e beneficiários, dentre os quais o primo distante Luiz Abi e o co-piloto Marcio Lima, que por sua vez teriam destinado parte da coleta de propinas à campanha de reeleição de Beto Richa.
Nulidade 3
Rosso descobriu que a fazenda que Souza prometeu devolver nem dele é: a) está escriturada em nome de terceiros; b) não vale nem a metade dos R$ 20 milhões ofertados para ressarcir prejuízos; c) avaliação judicial fixou o valor em apenas R$ 8,8 milhões; e d) já depois da delação, a fazenda foi arrendada para quarta pessoa por dois anos. Ou seja, se a delação não for rescindida, o delator receberá um prêmio indevido e o estado não verá o dinheiro de volta.