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Olho vivo

• Outros tempos 1

Corria o ano de 1982. Ney Braga renunciava ao governo para concorrer ao Senado. Para concluir o mandato, assumiu o vice, o ex-prefeito de Londrina e jurista Hosken de Novaes. Mineiro de fala mansa e hábitos simples, não era raro vê-lo, após o fim do expediente no Palácio Iguaçu, ir às compras num supermercado do Juvevê – sem seguranças, sem afetações e sem demagogia. Tratava-se de homem público de um tipo raro nos dias de hoje.

• Outros tempos 2

Famoso pelo "pão-durismo" em relação ao dinheiro público, Hosken não se curvava a pedidos que pudessem representar gastos desnecessários ou injustos. Um exemplo: certo dia, recebeu em audiência o então presidente do Tribunal de Justiça, que levou a ele um decreto já pronto para ser assinado. Tratava-se de um suplemento orçamentário que permitiria ao TJ comprar dois carros para cada desembargador – um para uso pessoal, outro para a família.

• Outros tempos 3

Hosken respondeu: "Se eu der esse benefício para os senhores, deveria antes dar a todos os funcionários públicos que ganham muito menos". Desenxabido, o presidente do TJ resmungou: "É nisso que dá colocar um mineiro no governo..."

• Outros tempos 4

Não é preciso ser mineiro para ter o mesmo comportamento de Hosken. Mesmo os paranaenses poderiam resistir à fácil concessão de privilégios que vão além do seu caráter intrínseco de injustiça: ultrapassam mesmo a linha do absurdo. Como é o caso dos auxílios-moradia e alimentação para juízes e desembargadores. Somados, perfazem cerca de R$ 4 mil mensais – parcela maior do que o salário bruto da grande maioria dos servidores públicos.

Um prefeito que terminou seu mandato em 2012 acumulou tantas multas e outras penas impostas pelo Tribunal de Contas que, não tendo dinheiro vivo para saldá-las nem forças para enfrentar os problemas que lhe atingiam pessoalmente, preferiu adotar uma solução radical: tirou a própria vida.

Situações quase tão dramáticas quanto essa são enfrentadas quase todos os dias pelos 399 prefeitos municipais do Paraná, que respondem pessoalmente (e não poucos são condenados) pelas irregularidades que inspetores e conselheiros da instituição detectam em suas administrações. E que irregularidades tão graves seriam essas pelas quais alguns gestores estão sujeitos até a perder bens de família?

Alguns exemplos comuns: o prefeito não entregou no prazo o documento que lhe foi solicitado; o contador da prefeitura errou um cálculo ou inscreveu a despesa em rubrica orçamentária errada; um médico foi contratado sem concurso (mas se não fosse uma comunidade inteira ficaria sem assistência!); a notificação transmitida por e-mail não foi percebida pela secretária do gabinete...

São situações para lá de banais e que não caracterizam, necessariamente, que tenha havido dolo por parte do infeliz prefeito. Que acaba se vendo de mãos amarradas, sofridos não apenas por falta de recursos mas também por que se lhes atribui crimes que na verdade não cometeram.

Em razão dessa generalizada situação, 398 dos 399 municípios do estado estão com a "ficha suja" e enfrentando dificuldades para obter míseras transferências dos recursos que mendigam em outras fontes. Apenas o pequeno município de Sulina (5 mil habitantes, Sudoeste do estado) está em dia com suas certidões junto ao Tribunal de Contas.

Os prefeitos não aguentam mais e, por isto, se reuniram semana passada na Assembleia Legislativa para buscar uma solução para o torniquete dos exageros. Saíram da reunião com a promessa do presidente, deputado Valdir Rossoni, de que até o dia 4 de agosto será apresentado (e talvez já aprovado) um projeto de lei para colocar limites na atuação do Tribunal de Contas – órgão auxiliar da Assembleia. Emblematicamente, por sugestão do presidente da Associação dos Municípios do Paraná (AMP), a lei levará o nome do prefeito que se suicidou.

O que mais incomoda os prefeitos é a prática de dois pesos e duas medidas na atuação do TC. Enquanto eles – principalmente os de pequenos e desaparelhados municípios – são punidos rigorosamente , basta subir um andar na hierarquia dos poderes para se perceber que o tratamento é diferenciado, benevolente.

Incomoda-lhes também outra esquisitice: a do órgão que lhes fiscalizar ser flagrado em vergonhas tão grandes como as que envolveram a construção do edifício anexo.

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