Três meses depois da eleição de outubro, os paranaenses foram assaltados na última sexta-feira por uma certa confusão mental: já não sabem se elegeram um governador ou um bondoso pastor e teólogo preocupado com o bem-estar do seu rebanho mais próximo. A confusão é justificável: numa viagem pelo litoral, indagado por que nomeou para postos importantes do seu governo auxiliares sobre os quais pesam denúncias de improbidade, o governador Beto Richa recorreu a um princípio da doutrina cristã para explicar suas escolhas.
"É preciso perdoar o pecador, mas não o pecado", disse ele, aliás muito de acordo com o que ensinam os grandes doutores da teologia católica, como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Para tranquilizar os espíritos, o governador complementou: mesmo com a nomeação de réus em processos que ainda correm na Justiça, será intransigente contra a corrupção no seu governo.
Um dos nomeados é o antigo assessor Ezequias Moreira, protagonista do rumoroso caso da "sogra fantasma", empossado na semana passada diretor de Investimentos da Sanepar. Outro é Nelson Cordeiro Justus, filho do presidente da Assembleia, deputado Nelson Justus, contra quem pesa uma investigação do Ministério Público por suposto envolvimento em esquemas de licitação.
Chefe de gabinete do então novato deputado Beto Richa, na década de 90, Ezequias recebeu nos 11 anos seguintes, além do próprio salário, também o da sogra, muito embora esta nunca tivesse batido ponto na Assembleia. A soma de recursos públicos assim desviados chegou a R$ 539 mil.
Em 2007, já alçado à posição de chefe de gabinete do prefeito Richa, após denúncia do Ministério Público e da abertura de dois processos judiciais (um cível, outro criminal), Ezequias fez uma coleta entre caridosos e solidários amigos e devolveu a importância aos cofres públicos.
Basta confessar o "erro" e devolver?
No entendimento de Richa, "ele [Ezequias] reconheceu o erro e pagou a conta dele. Nesses casos, sempre me refiro a uma citação bíblica que fala de perdoar o pecador e não o pecado. Ele é funcionário de carreira da Sanepar, competente e não foi condenado ainda. Então, não serei eu a fazer um juízo de valor".
Juízo de valor o governador fez, no entanto, ao supor que a simples devolução do havido ilegalmente representou sincero arrependimento ato de consciência que, segundo a fé de que se valeu para perdoar o pecador Ezequias, só cabe à misericórdia divina avaliar.
Nesse caso, a lógica da teologia aristotélico-tomista nos induziria imediatamente a pensar que, se ocorrerem casos de corrupção no governo, os corruptos não serão nunca demitidos se, muito contritos, reconhecerem o "erro" e devolverem ao Erário os ganhos ilícitos.
É evidente, no entanto, que o caso não deve passar por tais visões de fundo teológico, religioso. Richa não nomeou um bispo ou o abade do mosteiro, mas um servidor público que terá, entre outros afazeres no estratégico cargo que recebeu, de demonstrar extremo zelo no trato de recursos públicos e de estar acima de qualquer suspeita. Como recomendava a antiga sabedoria: "À mulher de Cesar não basta ser honesta; é preciso parecer honesta".
Mais do que um princípio bíblico, deve prevalecer o princípio laico aplicável à administração pública: o princípio da precaução. Segundo definição clássica, "o Princípio da Precaução é a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este Princípio afirma que a ausência da certeza formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever este dano".
Senhor, tende piedade de nós. Amém.
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