O povo, este ente misterioso e contraditório, em nome do qual se diz que emana todo o poder, fez suas escolhas. Castigou, Brasil afora, os políticos que identificava como encarnações do Mal mas elegeu outros que não são exatamente o que se poderia chamar de representações do Bem.
O povo não sabe votar? O rei Pelé, que segundo Romário é um excelente poeta quando de boca fechada, achava que não. Disse-o bem em meio à campanha pelas Diretas Já nos anos 1980. O escritor Rubem Alves, que não jogava futebol mas marcou mais de mil gols na sua carreira de escritor refletindo sobre a vida, sobre o mundo e um pouco também sobre a política, de certa forma compartilhava com Pelé ideia semelhante.
Claro, com invejável profundidade filosófica e embasamento histórico e cultural Rubem se dedicou ao tema numa crônica publicada em 2002 na Folha de São Paulo. Depois de lembrar que foi pelo “voto popular” que Cristo foi trocado por Barrabás, o imortal escritor mineiro dizia:
“Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional, segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade. É sobre esse pressuposto que se constrói o ideal da democracia. Mas uma das características do povo é a facilidade com que ele é enganado. [...] O povo não pensa. Somente os indivíduos pensam. Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam a ser assimilados à coletividade. Uma coisa é o ideal democrático, que eu amo. Outra coisa são as práticas de engano pelas quais o povo é seduzido. O povo é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.”
Não há de ver que em Curitiba e alhures ganharam as eleições quem mais ofereceu pão e circo aos eleitores – assim como faziam os romanos que davam de comer aos leões a carne de cristãos? Séculos depois os cristãos tornaram-se donos do circo e o povo passou a se divertir com fogueiras em praça pública nas quais bruxas, judeus, hereges em geral eram incinerados.
Racionalidade, responsabilidade, valores morais sucumbiram diante da aurora boreal colorida pelas promessas de pão e circo que os vencedores vomitaram. Quilômetros e quilômetros de asfalto; redução da tarifa do ônibus; moradores de rua protegidos em hotéis três estrelas; hospitais e postos de saúde sem fila, lotados de médicos, enfermeiros e remédio de graça para todo mundo; nenhuma criança sem creche... Uma cidade maravilhosa onde em cada esquina se encontrará uma fonte de mel e se colherá manás.
A ilusão encontrou mercado; foi vendida a preço baixo e se tornou mercadoria mais atraente do que a lembrança de que o mundo está em crise, o Brasil está em crise, Curitiba está em crise. Que faltam recursos e que só é possível fazer não mais do que o possível.
Nada disso foi ouvido ou assimilado; preferiu-se castigar a verdade e se entregar à prestidigitação irresponsável, próxima da má-fé, dos que prometeram aquilo que sabem que não vão entregar.
Chega-se agora ao segundo turno, hora final da verdade. Os candidatos que o disputarão em Curitiba certamente não são muito diferentes dos “colegas” que em várias outras capitais e grandes cidades do país também correrão desesperadamente atrás de votos. Por isso, ninguém garante que deixarão de repisar as mesmas propostas – mas seria desejável, para o bem da democracia e para a valorização do voto popular, que os dois curitibanos fossem, para dizer o mínimo, pouco mais realistas.
Os 360 mil eleitores da capital que se recusaram a comparecer às urnas ou dar voto válido para qualquer dos candidatos são mais numerosos do que os 356 mil que escolheram o primeiro colocado no primeiro turno. Eles representam os desencantados com a política e com os políticos – e carregam uma mensagem que precisa ser ouvida: menos enganação, por favor! E mais respeito ao poder que emana do povo e que em seu nome deve ser exercido.
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