Do caldeirão fervilhante do secretário da Fazenda, Mauro Ricardo Costa, saiu uma nova sopa de letrinhas fiscais e tributárias direto para o 3.º andar do Palácio Iguaçu. Era para ser sorvida aos poucos e degustada para receber os temperos finais da sabedoria jurídica e da prudência política. Mas qual nada: o anteprojeto foi mandado ainda borbulhante para a Assembleia aprovar em regime de urgência.
Em lá chegando, a queimação foi geral. Antigos aliados e amigos do governador foram os primeiros a gritar contra o excesso de pimenta – caso do deputado Plauto Miró Guimarães, do DEM, primeiro-secretário da Assembleia, que anunciou imediatamente voto contra qualquer tentativa do governo estadual de aumentar mais impostos. Ele focou principalmente na parte do caldeirão que previa o aumento progressivo das alíquotas do tributo sobre doações e heranças, o ITCMD.
Foi a partir daí que começou o caxangá. O líder do governo, deputado Luiz Claudio Romanelli, ainda sentindo o ardor da queimações recentes a que foi submetido quando teve de defender as medidas impopulares do início do ano, entrou na roda para entoar a cantiga Escravos de Jó e, zigue-zigue-zá, foi logo providenciando um caxangá destinado a tornar mais palatável a intenção de Beto Richa e Mauro Ricardo de empurrar goela abaixo mais este pacote de aumentos tributários.
Por sua iniciativa e ainda que seja o líder do governo – cuja missão seria sempre a de resguardar a integridade dos projetos oriundos do Executivo –, Romanelli decidiu que o pacote deve ser transformado num substitutivo geral. Como relator, de cara capou a parte que tratava das alíquotas do ITCMD, que serão tratadas à parte num futuro projeto. Também não gostou do item que desobrigava o estado de dar contrapartida às contribuições previdenciárias dos aposentados.
Outro caxangá promovido por Romanelli aconteceu em relação à intenção do governo de privatizar fatias do capital da Copel e da Sanepar ou vender bens do estado sem precisar de aprovação prévia da Assembleia – um dos pontos mais polêmicos do novo pacotaço.
Nem mesmo o que parecia ser uma “bondade” vai passar incólume. O pacote prevê aumento de dois pontos porcentuais no ICMS incidente sobre produtos supérfluos (cigarros e bebidas, por exemplo) – mas que o adicional de 2% seria destinado a um Fundo de Combate à Pobreza. A previsão é de que o acréscimo representaria cerca de R$ 400 milhões no caixa.
Pobre pobreza
Como a destinação é para um Fundo, o valor suplementar do ICMS não seria dividido com os municípios nem com os demais poderes. Isto é, prefeituras, Assembleia, Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas não receberiam, sobre esse montante, as respectivas cotas-partes previstas no orçamento. A grita já começou.
Mais: como se trata de um Fundo, o da Pobreza terá o mesmo destino de todos os demais fundos – isto é, os recursos cairão no caixa único – outra fonte dos caxangás a que o secretário Mauro Ricardo recorre para atender as premências que lhe pareçam mais urgentes.
Recuperação
Queiram ou não os senhores contribuintes, tão sacrificados pelo pantagruélico apetite tributário que acomete o Palácio Iguaçu desde o início do ano, é preciso reconhecer: Mauro Ricardo conseguiu aumentar a arrecadação em 15% em comparação à do mesmo período do ano passado. Ainda que se desconte a inflação (da ordem de 9%), houve ganho real para o caixa do governo. A despesa, ao contrário, cresceu menos de 1% no mesmo período, à custa, claro, em grande parte, do arrocho salarial imposto aos servidores, os escravos de Jó que mais sentiram a “austeridade” cantada por Beto Richa.
Bicando aqui e ali, comendo pelas beiradas os depósitos judiciais e metendo a mão na poupança previdenciária dos servidores, as finanças do Paraná se recuperam. Mas que fique a lição: se nos primeiros quatro anos de gestão não tivesse sido cometido o desatino de gastar mais do que a responsabilidade fiscal permitiria, o estado certamente não teria chegado ao ponto de ter de cortar a carne dos contribuintes. Nem precisaria arranjar desculpas esfarrapadas de que a situação de desequilíbrio era decorrente da crise nacional.
A crise era daqui mesmo, de um mal grafado xoque de jestão, já que nunca houve ao longo do primeiro mandato quedas de receita ou encolhimento do PIB na mesma proporção da média nacional. Ao contrário, houve crescimento real de arrecadação no período de 50%, muito acima da inflação. Os gastos desenfreados, no entanto, comeram o bom resultado sem que estivessem representados por investimentos que favorecessem decisivamente o desenvolvimento.
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