Nos corredores
Chama o Serraglio
No término da sessão da última terça-feira em que o senador Roberto Requião (PMDB) barrou a votação do empréstimo de US$ 350 milhões do Banco Mundial para o Paraná, parte dos senadores presentes discutia uma maneira de convencer o paranaense a mudar de ideia. Um figurão do próprio partido de Requião brincou: "talvez se chamarmos o Osmar Serraglio...", referindo-se ao deputado que venceu o senador na disputa pela presidência estadual do partido.
Alô, é o Sarney
Quatro dias antes da votação do empréstimo, o governador Beto Richa (PSDB) ligou para o então presidente interino da República, José Sarney (PMDB-AP), para pedir apoio na aprovação da proposta. O empréstimo acabou autorizado rapidamente por Dilma Rousseff e Gleisi Hoffmann. Quando caiu para valer nas mãos de Sarney, que conduziu a votação de terça-feira como presidente do Senado, o peemedebista evitou confronto com Requião e logo retirou a proposta de pauta.
Este é um conto de fim de ano em Brasília. Reza a lenda que, em um recente 31 de dezembro, um deputado federal do Paraná conseguiu um presentão de um senhor barbudo. Não era o Papai Noel, era o ex-presidente Lula.
O regalo era um dos sonhos de consumo perseguidos diariamente por qualquer parlamentar o empenho de uma emenda individual ao orçamento. Eis que o sujeito encasquetou que tinha de garantir o recurso, nem que tivesse de fazer plantão na Esplanada dos Ministérios no último dia do ano.
A razão era clara: às 19 horas de todo 31 de dezembro o governo fecha o exercício orçamentário. E as emendas que não têm nenhum empenho até esse horário vão para o beleléu.
O bravo parlamentar decidiu fazer plantão na portaria do ministério que liberaria o recurso. Não encontrou ninguém. Chegou a subir em uma árvore para tentar encontrar algum técnico pela janela, já que ninguém atendia ao telefone, e nada.
O relógio corria e já eram 17 horas. Decidiu apelar. "Se tem alguém que pode fazer um milagre agora é o presidente", pensou.
Lembrou que haveria uma festa de réveillon no Palácio da Alvorada e partiu para lá. Na entrada, chamou o guardinha que cuida da cancela, se identificou, e disse que queria falar com o "chefe". Deputado é autoridade, mas nem tanto para chegar dando carteirada na residência oficial.
O segurança passou o recado. O deputado tomou um chá de cadeira por mais de uma hora. Viu carros com embaixadores de outros países entrando no palácio em uma tradicional romaria de cumprimentos ao presidente.
Eram 18h30 quando o telefone do guardinha tocou. Era Lula. O parlamentar explicou a situação de suas emendas e o presidente, todo bonachão, falou para ele relaxar, curtir as festas, que tudo estava sob controle.
Claro que o deputado não confiou muito na história, mas era tudo o que podia fazer. Entrou no carro e, quando estava voltando para a região central de Brasília, viu o celular tocar. O DDD era de fora.
Quem ligava era o ministro responsável pela liberação do recurso. Disse que havia acabado de receber instruções do presidente. Ainda incrédulo, o deputado foi checar no computador os registros do orçamento.
O empenho foi liberado às 18h58. Já dava para estourar a champanhe.
Realidade ou fantasia, essa história é um retrato fiel das engrenagens do sistema político brasileiro. Quase a totalidade dos congressistas só se dedica de verdade ao papel de despachante de um punhado de cidades em busca de recursos em Brasília. Assim se forma o círculo vicioso: o prefeito é refém do deputado que tem contatos, que por sua vez é refém do Palácio do Planalto.
É fácil jogar a culpa nas costas dos parlamentares, mas eles são só uma pecinha desse esquema. Quem fomenta tudo isso é o eleitor, que não reflete em suas escolhas e cai no conto de que precisa de alguém que traga dinheiro para sua cidade. Esse, definitivamente, não deveria ser o papel de um deputado federal ou senador.
Porque se ele tem de se sujeitar a qualquer coisa para garantir suas emendinhas, não tem condições de realizar uma das tarefas mais importantes do cargo: fiscalizar o Poder Executivo. Enquanto o presidente ocupar o espaço de Papai Noel da República, fica difícil prever um próspero ano-novo na capital.