O raciocínio desenvolvido pela presidente Dilma Rousseff sobre os recentes conflitos com o Congresso, em sua entrevista à revista Veja, é institucionalmente irretocável.
"Perder ou ganhar votações faz parte do processo democrático. Você não pode ganhar todas. Em alguma circunstância sempre vai emergir uma posição de consenso no Congresso que não necessariamente será a do Executivo. A tensão é inerente ao presidencialismo de coalizão", disse ela, ressaltando o imperativo do respeito às posições do Legislativo para concluir pela inexistência de crise.
"Crise existe quando se perde a legitimidade", acrescentou a presidente, em análise particularmente feliz e, sobretudo, ponderada da situação.
Infeliz, porém, apresenta-se a realidade em que a teoria não rende homenagens à prática. Nos atos Dilma contradiz as próprias palavras quando deixa transparecer que em seu modo de operação a única possibilidade de expressão do Parlamento é dizer "sim" a tudo que emana do Palácio do Planalto.
Ou, então, o que pensa a presidente não é o que dizem nem o que fazem seus auxiliares.
Se o caso for de erro de tradução, as coisas podem muito bem se ajeitar. Começando por Dilma mandar que parem de usar expressões como "faca no pescoço", de dizer que ficou "irritada" com isso ou "furiosa" com aquilo e que não vai admitir ser contrariada em votações.
Mas, se a discrepância for entre o discurso eventual e a prática cotidiana da presidente, complica. A realidade é exatamente aquela descrita por ela na entrevista: a despeito da fragilidade do Legislativo gerada por uma deformação de conduta, é verdade o Executivo não pode se valer dela para sobressair-se junto à opinião pública nem para estabelecer uma conexão baseada na intimidação, na lógica da luta do bem contra o mal.
Entre outros motivos porque denota deliberada aposta no desequilíbrio entre os Poderes.
E por mais que o grosso da opinião pública não entenda direito o significado disso, cabe ao governante evitar cair na tentação de jogar na confrontação entre políticos e sociedade.
A se exacerbarem os ânimos nessa direção, amanhã ou depois aparecem os pregadores da inutilidade do Congresso e, a depender de como esteja o clima, pode prosperar um ambiente que não interessa a ninguém. Nem aos atuais condôminos do poder.
A presidente foi à Índia. Ficará ausente por uma semana. Nesse período haverá tempo para conferir se a ela se aplica a frase do então senador Fernando Henrique Cardoso quando José Sarney era presidente "A crise viajou" ou se a confusão toda decorre de uma enorme falha de comunicação.
Provisórias
Por determinação do Supremo Tribunal Federal, nesta semana o Congresso começa a cumprir o rito de tramitação de medidas provisórias conforme manda a Constituição, instalando uma comissão especial para examinar se uma MP é mesmo urgente e/ou relevante.
A primeira é a medida de número 562 sobre repasse dos recursos do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para instituições comunitárias da área rural.
Relevante? Sem dúvida. Caberá aos deputados e senadores examinarem se é urgente. Não do ponto de vista da necessidade do Executivo de resolver da maneira mais fácil a questão, mas na perspectiva da necessidade real.
Será um teste. Dependendo do resultado, o exame de medidas provisórias poderá servir como triagem eficaz o suficiente para levar o Executivo a reduzir o uso do instrumento, ou funcionar apenas como instância formal de homologação da vontade do Planalto por meio da ação da maioria governista.
Uma notícia recente sinaliza que o governo não acredita na mudança real de sistemática, pois estaria estudando a edição de uma MP pouco antes da Copa para liberar a venda de bebidas alcoólicas nos estádios.
Não há relevância muito menos urgência como atesta a antecedência com que é examinada a hipótese de edição da medida.