A convicção tem suas vantagens, mas quando excessiva pode virar obsessão, levar a erros cruciais e se transformar em enorme desvantagem ao impedir o convicto, ou obcecado, de enxergar as variantes da realidade.
Foi mais ou menos o que aconteceu com o presidente Luiz Inácio da Silva, com o PT, o governo, o comando da campanha e com a candidata Dilma Rousseff na primeira etapa da eleição presidencial: não olharam para os lados, não consideraram uma segunda hipótese, apostaram tudo no vermelho 3 (de outubro).
Lula diz as coisas mais estapafúrdias e quase todo mundo acredita; natural, portanto, que quase todo mundo tenha acreditado quando ele deu por ganha a eleição em primeiro turno baseado nas pesquisas de intenções de voto e no próprio voluntarismo.
Tão certos estavam da vitória que não se prepararam minimamente para a hipótese do segundo turno. Surpreendidos, gastaram todos os recursos (públicos e privados) de uma vez só e deixaram a frustração transparecer no abatimento de quem terminou a primeira etapa com mais de 13 pontos na frente, o equivalente a cerca de 14 milhões de votos.
Pois agora com a situação beirando o empate a estarem corretas as pesquisas é que a candidatura governista precisaria de toda força: presença constante do presidente da República, apoios políticos esfuziantes, candidata serena administrando a vantagem de escolhida pelo presidente mais popular da história do Brasil, uma profusão de boas notícias.
No lugar disso, o que se tem?
Políticos contrariados com deslealdades do PT, petistas aborrecidos porque foram preteridos em favor de aliados, candidata de garras postas, fatos negativos e, pior de tudo, o encolhimento de Lula, criticado publicamente por seus aliados por ter exagerado na soberba na primeira etapa.
Não foi o único, e dos prudentes de última hora não se ouviu uma só palavra de reparo ao estilo presidencial apesar da quantidade de análises e alertas diários sobre as exacerbações de Lula. Quando se acreditava que iria dar certo, era aplaudido, temido, celebrado. Quando se viu que não deu, foi condenado.
E agora? Agora o PT se vê obrigado a improvisar diante da necessidade de consertar os excessos e a "economizar" aquele que é seu principal trunfo e razão única de Dilma ter tido 47 milhões de votos: o presidente Lula.
Talvez ele esteja sendo guardado para a reta finalíssima, mas se a curva se inverter nesse meio tempo será necessário recorrer aos préstimos do criador, já que a criatura sozinha não dá conta do recado.
Há um dilema no PT quanto a isso: usar Lula pode ser um risco por conta de todos os abusos da etapa inicial, mas não usá-lo, ou "economizá-lo" em excesso pode custar a eleição.
Ainda o seguinte aspecto: tivesse a história se resolvido no dia 3 Lula seria o autor de uma vitória espetacular; passando para o segundo turno será sócio- fundador de um sucesso relativo ou de uma derrota inesperada.
Vaivém
Recapitulando as mudanças que o PT precisou improvisar para tentar segurar o eleitor: mudou o programa de governo; mudou o Plano Amazônia Sustentável, que fez Marina Silva deixar o Ministério do Meio Ambiente.
Mudou a posição de Dilma sobre a descriminalização do aborto; mudou a face macia da candidata; mudou o prazo para a conclusão do inquérito de Erenice Guerra, mudou a data da parada gay no Rio, para depois da eleição.
Se eleita, de início Dilma precisará responder pelo passivo.
Pé na tábua
Até hoje há quem atribua a derrota de Fernando Henrique Cardoso para Jânio Quadros na disputa pela prefeitura de São Paulo, em 1985, à hesitação dele durante um debate para responder se acreditava ou não em Deus.
Este lembrete fala sobre falta de clareza de posições, não de religião.
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