Bom será se os partidos e os políticos souberem compreender o gesto e a partir dele perceberem a necessidade de restabelecer um diálogo com a sociedade em termos diferentes dos atuais
A passeata que levou às ruas no fim de semana gélido de São Paulo, manifestantes para homenagear as vítimas do acidente do Airbus A320 foi um misto de protesto contra o governo e ação em prol da cidadania, mas serviu também como recado aos partidos porventura interessados em pegar uma carona ou em desqualificar atos dessa natureza.
Se participaram 3 mil ou 6 mil pessoas de acordo com aqueles cálculos empíricos de sempre não importa. Aqui realmente tamanho não é documento. Se foi a primeira de uma série de ações semelhantes, se apontou para o sucesso ou fracasso da campanha "Cansei", alvo de desqualificação aqui e ali por ser identificada como "movimento de ricos", tampouco é o que interessa agora.
Entre outros motivos porque não se sabe se, passado o impacto do desastre, tais atos terão continuidade nem se haverá mesmo uma reação significativa da sociedade na exigência da palavra de ordem síntese da passeata "respeito" ou mesmo se essas mobilizações terão qualquer efeito sobre a popularidade do presidente Luiz Inácio da Silva.
Essencial naquela manifestação foi o sinal evidente de que partidos políticos, governistas ou oposicionistas, estão barrados desse baile, tenha ele a magnitude que tiver. Sagaz, o mundo político possivelmente captou a mensagem. Parlamentares estiveram ausentes e, no dia seguinte, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, tratou de arquivar a idéia de o partido preparar uma contra-ofensiva às manifestações em articulação.
No protesto paulistano, só um punhado de militantes da juventude do PSDB se atreveu a aparecer por lá. Mal desembrulharam as bandeiras com as quais, ingênuos, esperavam marcar a presença do partido, e foram expulsos por uma reação coletiva e espontânea, cujo lema não escrito parece ser "político não entra".
A rejeição daquelas pessoas - e não seria exagero afirmar, da maioria de tantas outras à instrumentalização de suas emoções pelos partidos atuantes no cenário nacional permite duas interpretações, uma negativa e uma positiva. Ruim será se a exigida distância dos partidos resultar da pura e simples despolitização, da raiva à deriva, cuja conseqüência mais perniciosa é a negação do sistema representativo em si (e não de como ele está funcionando no Brasil), a desmoralização do exercício político, que é o cerne da democracia e garantia fundamental contra retrocessos institucionais.
Bom será se os partidos e os políticos souberem compreender o gesto e a partir dele perceberem a necessidade de restabelecer um diálogo com a sociedade em termos diferentes dos atuais. Os governistas, com destaque para o PT, incorrerão em erro brutal se menosprezarem a motivação dos manifestantes e buscarem combatê-los, isolando-os na posição de cidadãos de segunda classe porque não se sentem gratificados pelo simples fato de um homem chamado Lula existir, porque têm senso crítico, querem ver as coisas funcionando direito e valores mínimos de comportamento serem respeitados no País.
Os oposicionistas também derraparão na curva do equívoco se não respeitarem a prudente distância deles exigida, se não guardarem um respeito obsequioso ao recado de que não souberam se apresentar como porta-vozes eficazes das insatisfações latentes e são, por isso, vistos como meros oportunistas.
Ambos demonstrarão absoluta ausência de senso de oportunidade se insistirem em tirar proveito eleitoral, seja querendo surfar na onda da indignação, seja incriminando como conspiradores os indignados. Aos políticos com razão e sensibilidade cabe agora perceber simplesmente que essa não é a hora deles, convém recolherem-se, de preferência usando a pausa para uma necessária (e tardia) reflexão. Se ousarem nos gestos de intromissão, para defender ou atacar, podem pagar o único preço a eles caros, o eleitoral.
É a cidadania que abre alas e pede passagem. Se passará ou ficará onde está, perplexa, refém da autocomiseração em muxoxos pelos cantos, sem dizer exatamente o que quer, cabe a ela mesmo mostrar.
Banda podre
O governador Sérgio Cabral Filho pediu e o presidente Lula aceitou manter 75% da Força Nacional de Segurança no policiamento ostensivo do Rio de Janeiro, apostando, assim, na manutenção do clima de relativa paz ocorrido no período do Pan-Americano. Faltou, porém, as autoridades darem atenção a um assunto que é de conhecimento geral na cidade: a ação de policiais durante os jogos, com achaques a turistas e completa indiferença à livre atuação dos cambistas perto dos estádios.
Por 15 dias, o tráfico se encolheu não sabemos se por causa da Força Nacional ou se por iniciativa própria ou até por conta de algum tipo de acordo tácito. Mas, seja como for, houve uma trégua que, no entanto, cedeu lugar à sórdida, porém ignorada, exibição do grau de contaminação da polícia pelos crimes de extorsão e corrupção.
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