O leitor e a leitora sabem bem o que acontece com seres criados na dicotomia recompensa e punição: em geral não absorvem conceitos e princípios que lhes permitam distinguir naturalmente entre o certo e o errado; a referência de vida passa a ser uma conta de chegar entre o que é vantajoso ou desvantajoso. Passível de castigo ou merecedor de premiação.
Pois é essa pedagogia que a presidente Dilma Rousseff e seus conselheiros políticos parecem ter escolhido para controlar a imensa e inorgânica maioria governista no Congresso.
O governo teve uma vitória sem reparos na aprovação do valor do novo salário mínimo na Câmara. Como se diz popularmente, fez barba, cabelo e bigode.
Quase 74% dos parlamentares votaram na proposta de R$ 545, porcentual bem maior que o maior índice de fidelidade obtido pelo governo anterior: 63,3%.
Além disso, obteve dos deputados autorização para estabelecer os valores do mínimo dos próximos três anos por decreto, sem a chateação de precisar consultar o Legislativo e, portanto, de sofrer contestações.
Para qualquer governo seria motivo de satisfação. Mas a gestão Dilma quer mais: anuncia retaliações aos infiéis. Promete punições severas aos discordantes: castigos que vão desde a humilhação pública, de forma a qualificá-los como governistas de meia tigela (e, portanto, sem força junto ao Planalto), até a condenação à "geladeira", o que parece significar o degredo no campo da indiferença.
Fala-se também em cortes de emendas, destituição de cargos e veto a postos anteriormente almejados.
Linha dura
Não seria de todo mau o método, caso se estendesse para além das questões de estrito interesse do Planalto. Dilma pune quem não vota como ela acha que deve ser o voto, mas não exibiu desconforto algum em ter em seu ministério dois auxiliares que, oriundos do Parlamento, exorbitaram no uso de recursos públicos.
Pedro Novais e Ideli Salvatti continuaram sendo aptos a lidar com o orçamento público, respectivamente nos Ministérios do Turismo e da Pesca, apesar de ambos terem usado indevidamente as verbas extras a que tinham direito como parlamentares.
A dinâmica adotada pela presidente é a da intimidação. Pode dar resultado para o Executivo, mas põe o Legislativo numa posição infantilizada.
A ponto de um senador (Paulo Paim) ir à tribuna pedir licença e praticamente apresentar suas escusas por pensar diferente.
Abstraindo-se o que de "sinhazinha" existe nessa atitude da presidente e da vocação do Congresso à subserviência, há um fato: governo algum se sustenta como uma casa grande que relega o Parlamento à condição de senzala.
Prática e fala
O ex-presidente Lula afirmou recentemente que o ajuste nas contas públicas anunciado pela presidente Dilma será "quase tão forte" quanto o que ele promoveu em 2003, quando assumiu pela primeira vez a Presidência da República.
Considerando que o aperto de 2003 foi justificado pela "herança maldita" recebida do antecessor, Fernando Henrique Cardoso, a conclusão óbvia é a de que Lula deixou para a sucessora uma herança tão maldita quanto a que assim qualificou ao recebê-la.
A propósito dos anunciados cortes de R$ 50 bilhões, registre-se declaração da então candidata Dilma Rousseff em setembro último, semanas antes das eleições.
"Com a economia visivelmente crescendo eu vou fazer ajuste para quê? De quem é esse pleito? Ao povo brasileiro não interessa. Tivemos de fazer ajuste em 2003 porque o Brasil estava quebrado. Agora não está quebrado", disse, a título de desmentido às notícias de possíveis cortes em seu governo, se eleita.
É a prática que desmente a fala.
Sempre assim
Dilma passou no primeiro teste de embate com o Legislativo. Cumpre lembrar, porém, que todo governo consegue o que quer no início.
Fernando Collor de Mello, por exemplo, conseguiu aprovar o confisco da poupança dos brasileiros.
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