A despeito das disposições em contrário, ainda há gente e muita de bem fazendo política no Brasil. Inclusive no PMDB. É mesmo o que se depreende da afirmação do senador Jarbas Vasconcelos quando se refere na entrevista à revista Veja ao interesse de "boa parte do PMDB" em usar o partido para fazer corrupção e fisiologismo.
Isso quer dizer que outra "parte" está fora disso. Como é mais silenciosa, não está todo dia no noticiário reivindicando cargos, protagonizando escândalos, armando jogos de pressão, participando dos mais insidiosos conchavos, acaba integrando um todo de imagem nefasta.
A essa parcela muito provavelmente desconforta mais a reação anódina da Executiva à entrevista do senador do que propriamente as declarações dele.
Ao não esboçar defesa, a cúpula do PMDB deixa o que ainda lhe resta de saudável exposto ao sol e ao sereno. Confirma a impressão de que não responde porque não tem resposta.
A generalização da má fama não é invenção de Jarbas Vasconcelos, que nem de longe pode ser responsabilizado por tudo o que de mal se fala a respeito do PMDB. É produto de uma série de escolhas, do afrouxamento de padrões de qualidade no exercício da atividade pública.
O processo de degenerescência começou no primeiro governo civil pós-64 com a transformação da distribuição de poder entre os fundadores da Nova República, arquitetado por Tancredo Neves, em um acintoso "é dando que se recebe" no governo José Sarney e consolidado durante a Assembleia Nacional Constituinte (19871988) para assegurar cinco anos de mandato ao então presidente.
De lá para cá o PMDB foi se reconstruindo. Abandonou a feição de frente de resistência à ditadura, de gerador de movimentos como o das Diretas Já, para assumir o perfil de confederação de interesses regionais, agora uma grande organização com objetivo centralizado de se incrustar em definitivo nas estruturas de poder de todas as esferas, municipal, estadual e federal.
Por artimanha do destino, o MDB que serviu de abrigo aos opositores do regime militar se transformou na democracia no PMDB desenhado à imagem e semelhança da versão preferida do autoritarismo para sistemas democráticos e sua base de representação política.
Os ditadores menosprezam os políticos, os autoritários se regozijam desqualificando uma atividade cujo princípio é dos mais nobres: o equilíbrio das vontades. Sem ela, prevalece a força.
Lamentável sob todos os aspectos é que não só o PMDB, mas os outros partidos e uma ala considerável da sociedade informada e influente não se deem conta da importância do tema levantado pelo senador Jarbas Vasconcelos, preferindo ignorá-lo ou questionar suas motivações.
Sejam elas quais forem, não modificam a realidade: o descrédito crescente com a política motivado por um comportamento deformado, referido na obtenção de vantagens. Isso inclui partidos governistas e oposicionistas.
Não por acaso todos mantiveram um silêncio reverencial, buscando pelos cantos desvendar as razões do senador, agindo como se o conteúdo das declarações guardasse relação exclusiva com a economia doméstica do PMDB, quando o assunto é do interesse de todos (até de quem não sabe que é) e em algum momento terá de ser enfrentado com seriedade.
Ao bispo
A nota do PMDB de resposta a Jarbas Vasconcelos não saiu ao gosto dos senadores Renan Calheiros e José Sarney, os únicos políticos citados nominalmente na entrevista à Veja.
O presidente do Senado e o líder do partido na Casa queriam que a Executiva fosse mais assertiva na defesa da honra de ambos. Sarney foi chamado de "retrógrado" e Calheiros acusado de não ter moral para ser senador.
Ainda assim, a cúpula preferiu dizer que as acusações eram "genéricas". Por um motivo: não comprometer ainda mais a já tão comprometida legenda com duas figuras tão estigmatizadas na opinião pública.
Sem contar a rasteira que Sarney e Calheiros tentaram dar na candidatura do presidente do partido, Michel Temer, à presidência da Câmara, para tirá-lo do comando do PMDB.
Depois da reunião de segunda-feira durante o dia, uma nova tentativa de pressão em prol da tomada de dores foi feita à noite na casa da senadora Roseana Sarney. Inútil, porém.
Duas vidas
O deputado Eduardo Cunha foi dos primeiros a defender a saída de Jarbas Vasconcelos do PMDB por causa da análise feita pelo senador sobre a situação em que se encontra o partido que ajudou a fundar no regime militar.
Cunha entrou mais recentemente na agremiação. Pelas mãos do ex-governador Anthony Garotinho, que o herdou do PRN, legenda que levou Fernando Collor à presidência da República em 1989 e entronizou Eduardo Cunha na vida pública, à época com a credencial de representante de Paulo César Farias (o tesoureiro) no Rio de Janeiro.
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