Só mesmo a vocação irresistível do PT ao erro e a falta de senso de oportunidade podem explicar a abertura de uma discussão dessas num momento como o da negociação da CPMF, em clima de vento em popa com o PSDB.
Aos crédulos, eis que o presidente Luiz Inácio da Silva e o seu PT mais uma vez mostram como são vãs suas esperanças: voltou a tramitar na Câmara, desde abril, por iniciativa do deputado petista Fernando Ferro, emenda constitucional que permite reeleições ilimitadas para presidente, governadores e prefeitos.
É preciso mais? Não, juntem-se a este outros fatos recentes e temos posta a evidência. Está nos planos de Lula e do PT alterar de alguma forma as regras da alternância vigente e, por isso, já se movimentam na direção do prolongamento do poder. Confirmaram-se as piores suspeitas dos que já estavam desconfiados da resistência do partido em desocupar a máquina pública uma vez tendo chegado lá.
Os outros fatos acima referidos são conhecidos, mas cumpre o registro para facilitar o raciocínio. Primeiro, o presidente da República fala em sucessão sempre que se lhe apresenta uma chance, por mais inadequado que pareça isso para quem ainda tem três anos de mandato e, em tese, é o menos interessado em deflagrar campanha antecipada.
De repente, surgem as manifestações dos deputados Devanir Ribeiro e Carlos William um em defesa do plebiscito para a decisão sobre um terceiro mandato, outro em prol da prorrogação de todos os mandatos, de presidente a vereador.
Depois, as negativas cada vez menos enfáticas do presidente da República; no início da semana, ao comentar a proposta de Devanir, divulgada no dia seguinte à festa de aniversário de Lula, à qual o deputado foi dos poucos parlamentares convidados por razões de amizade, Lula disse que a questão não era "prioridade" de governo.
Em seguida, o vice-presidente da República, José Alencar, considerou natural a discussão, em face da popularidade presidencial.
Ato contínuo, instado a falar sobre o tema, o presidente do PT e candidato de Lula à reeleição, Ricardo Berzoini, rejeitou a idéia, mas não impôs obstáculos à permanência do debate em aberto: "Não há assunto proibido no PT", disse, desmentindo a realidade do veto à discussão interna sobre punições aos envolvidos em malfeitorias mensaleiras e derivadas.
Agora, a Folha de S. Paulo descobre que o instrumento já está pronto: uma emenda, aprovada na Comissão de Constituição e Justiça em 2000 e arquivada desde então, permitindo sucessivas e ilimitadas reeleições para chefes de Poderes Executivos, voltou a tramitar em abril.
Está pronta para ir ao exame de comissão especial e, de lá, para o plenário. As reações do Planalto, dos petistas deputados e até do presidente da Câmara, o petista Arlindo Chinaglia, foram contrárias. Atribuíram a iniciativa ao desejo solitário do deputado Fernando Ferro.
Agora, convenhamos, aplicando a lógica aos fatos: um assunto desses é retirado do arquivo, fica de "stand by" para o que der e vier e ninguém avisa a Fernando Ferro, um dos mais aguerridos governistas tanto do plenário quanto em CPIs, que aquilo contraria os interesses de Lula?
Só mesmo a vocação irresistível do PT ao erro e a falta de senso de oportunidade que leva o partido a dar o passo em falso quando se sente politicamente fortalecido podem explicar a abertura de uma discussão dessas num momento como o da negociação da CPMF, em clima de vento em popa com o PSDB.
É de se imaginar que os tucanos despertem de seu sonho de "oposição qualificada" para perceber a agenda subjacente do governo e resolvam não participar dela, com um travo nas negociações ditas de Estado.
A menos, claro, que estejam enxergando algo além da percepção dos mortais e resolvam tocar esse barco, enfrentando com punhos de renda quem luta com pulsos de aço.
Ultraje e rigor
Pode-se, a exemplo do ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, considerar a renúncia do deputado Ronaldo Cunha Lima para escapar do julgamento do STF, por tentativa de homicídio, um ultraje à Justiça.
O ato, embora legal, é fruto de artimanha. Possibilitada também, senão principalmente, pela lentidão da Justiça e pelas imperfeições da legislação brasileira. Foram 12 anos de tramitação judicial e 14 desde o crime.
Ressalvadas as diferenças de processos, a Justiça inglesa acaba de condenar a Scotland Yard por imprevidência ao pôr em risco a segurança da população durante a ação que matou brasileiro Jean Charles, há dois anos. A questão aqui não é o mérito da sentença, mas o prazo de dois anos transcorrido desde o crime.
O ultraje referido pelo ministro Barbosa é também sentimento aplicável à população, em relação ao funcionamento do Judiciário
É preciso pôr na conta do Legislativo a parte que lhe cabe nesse latifúndio. Até 2001, o Supremo precisava de autorização do Congresso para processar parlamentares e, de 1993 até a mudança da regra, o Senado (Ronaldo Cunha Lima era senador) não autorizou o processo.
Esse é um dos motivos pelos quais no rol de condenações (nenhuma) impostas pelo STF a políticos, a balança pende para o lado da impunidade.
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