O ministro Carlos Ayres Britto tomou na semana passada uma decisão aparentemente secundária, mas representativa de um debate que voltará à cena principal tão logo o Tribunal Superior Eleitoral dê início ao exame das ações do PSD reivindicando tempo de televisão e parcela do fundo partidário proporcionais à bancada de 47 deputados na Câmara.
Em caráter liminar, o ministro do Supremo Tribunal Federal decidiu que o partido do prefeito Gilberto Kassab não tem direito a participar das comissões permanentes da Casa porque "não passou pelo teste das urnas".
Corroborou a posição do presidente da Câmara, Marco Maia, que havia negado o acesso às comissões sob o argumento de que o cálculo de distribuição deve ser feito conforme o tamanho das bancadas saídas das urnas.
Problema interno na Câmara? Mais ou menos. O mesmo critério é adotado nas legislações que regem a divisão do fundo partidário e a partilha do tempo de televisão. Tanto a Lei 9.096 quanto a 9.054 são claras: estabelecem que a regra da proporcionalidade aplica-se conforme os votos obtidos na última eleição.
Ora, se o PSD não elegeu nenhum dos deputados que hoje integram sua bancada na Câmara, teoricamente o partido de Kassab teria entrado numa batalha perdida.
Problema de Kassab e do PSD? Mais ou menos. A depender das decisões que os colegiados do Supremo e do TSE venham a tomar sobre essas questões, pode vir a ser um problema para um sistema eleitoral sabidamente deformado.
Ayres Britto indicou numa direção: a da interpretação absolutamente literal da lei. Mas há divergências quanto à maneira de se abordar essas questões que poderão levar a um debate sobre legalidade e legitimidade na representação dos partidos.
O ministro Marco Aurélio Mello, por exemplo, também integrante do STF e do Tribunal Eleitoral, acha que será preciso levar em conta a realidade.
Segundo ele, quando a Justiça resolveu abrir uma brecha na regra da fidelidade partidária admitindo trocas de partido em caso de criação de nova legenda e também quando aprovou o registro definitivo do PSD duas decisões das quais o ministro discordou e por isso diz estar "a cavaleiro" para opinar aceitou o conceito da relatividade na aplicação das normas.
"Como ignorar a existência de um partido com 47 deputados e puni-lo até a próxima eleição? A regra beneficia o desempenho eleitoral, mas os fatos mudaram a realidade e, portanto, é preciso levar em conta o relevo maior da representação existente", argumenta.
Na ação sobre o acesso às comissões ainda a ser votada no plenário do Supremo, há chance de o PSD ganhar, uma vez que a Constituição remete a questão ao regimento interno da Câmara e este fala em "sessão legislativa" e não em "legislatura" para efeito de distribuição de postos.
A diferença? Legislatura ocorre a cada quatro anos, diz respeito ao mandato todo, e sessão legislativa é aberta duas vezes ao ano (no início de fevereiro e em agosto, depois do recesso). Como o PSD conseguiu registro no ano passado, na sessão em curso estaria apto a integrar comissões.
Quanto ao tempo de televisão e o dinheiro do fundo partidário (hoje tem direito a R$ 125 mil ao ano, se ganhar na Justiça passa a receber R$ 19 milhões), a teoria joga contra o PSD, uma vez que os termos da legislação são categóricos: a repartição dar-se-á na proporção dos votos obtidos na última eleição.
E na última eleição o PSD não existia. Os deputados que passaram a integrá-lo conquistaram votos que, como decidiu anteriormente a Justiça, transformados em mandatos, pertencem aos partidos.
Isso em tese, na letra fria, pois, é como diz o ministro Marco Aurélio: ignorar a realidade quem há de?
A despeito da tendência de afastar da literalidade, o ministro reconhece: uma decisão maleável enfraquece as tentativas da Justiça de estabelecer balizas mais firmes aos meios e modos eleitorais.
Mas aí, pondera que o problema não é do juiz, mas do sistema. "Não fecha, é casuístico e privilegia a forma em detrimento do conteúdo".
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