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Declaração falsa de patrimônio, processo no Supremo Tribunal Federal, exacerbação do compadrio, nada disso é novidade num país em que réu dá lição de moral, boa parte do Parlamento tem contas abertas com a lei, o presidente da República acha normal o uso de dinheiro por meio de caixa 2 e dissemina o sentimento de que numa boa relação política o que vale é a camaradagem.

O deputado Edmar Moreira só destoa mesmo na disponibilidade de recursos para construir um cassino em feitio de castelo no meio do nada e no atrevimento para fazê-lo a despeito da ilegalidade do jogo.

De resto, não foge da média. Em alguns casos, como na ideia da transferência dos julgamentos políticos para o âmbito do Judiciário – o que equivale à extinção de processos de natureza política e do conceito de decoro parlamentar –, Moreira até se associa a gente de dotes intelectuais que à época do mensalão defendeu a tese com galhardia e hoje se faz de morta.

Como se o esdrúxulo enunciado segundo o qual a Casa de representação política não tem condições de fazer julgamentos políticos tivesse nascido na manhã de terça-feira da semana passada na mente do então corregedor que, durante a primeira entrevista coletiva do presidente da Câmara, reclamou injuriado para o locutor que havia se esquecido de citar os integrantes da Mesa presentes.

Assim o deputado Moreira chamou atenção para si e, já encerrada a entrevista, ensejou um pedido de "compromisso público" com a ética, feito pelo repórter José Maria Trindade, da rádio Jovem Pan.

Tivesse ficado quieto, recolhido à sua insignificância, deixado passar em branco a oportunidade de constranger o locutor com sua "otoridade", o deputado muito provavelmente continuaria como segundo vice-presidente e corregedor da Câmara.

Havia sido eleito como candidato avulso, sem indicação partidária, representante, portanto, de um desejo genuíno da "Casa", aqui entendida no mau sentido de corporação.

O colegiado podia até desconhecer a folha corrida de sua excelência. Se conhecesse seria indiferente a ela, como o é em relação a tantas outras até mais fornidas, mas bem aceitas porque no Parlamento vigora o conceito de que, se o povo elegeu, todos têm direitos iguais: podem ser escolhidos presidentes, vices, secretários, presidentes de comissões, corregedores.

Mas não desconhecia as opiniões do deputado a respeito de processos por quebra de decoro parlamentar. Era, e se comprometeu a continuar sendo, um inocentador por princípio. Sempre deu seu voto pró-réu, independentemente de indícios, provas ou evidências.

Na condição de corregedor, obviamente não abriria processos, não encaminharia pedidos de abertura de investigações, criaria óbices a todo e qualquer julgamento. Mostrou isso ao longo de sua trajetória, declarou que o faria assim que se viu com o cargo nas mãos.

No entanto, a Câmara não reagiu. Ou melhor, praticamente não reagiu. O presidente Michel Temer na reunião da Mesa de quarta-feira chamou atenção para a "inadequação" do declaratório e nada mais.

O PT defendeu de pronto aquele que nos momentos difíceis de 2005/2006 havia defendido os seus e ganhou corpo uma proposta para acomodar o vexame à situação: mudar o regimento para separar a corregedoria da segunda secretaria e, assim, propiciar, para Edmar Moreira, uma solução quase indolor.

Foi preciso que o partido do deputado, o DEM, enxergasse uma chance de se vingar da candidatura avulsa, contra a indicação partidária do deputado Vic Pires, para que as coisas caminhassem como deveriam ter caminhado desde o início sem a pressão do noticiário, mas por reação natural: a retirada do deputado da Mesa Diretora e daí para a abertura de um processo de cassação de mandato por quebra de decoro.

Não fosse o castelo a servir como materialização figurativa do absurdo, o deputado estaria na corregedoria da mesma forma que deputados cheios de processo integram e presidem instâncias estratégicas como o Conselho de Ética e a Comissão de Constituição e Justiça.

O partido presidido pelo presidente da Casa permite sem a menor cerimônia que a CCJ da Câmara seja posta a serviço do PMDB do Rio de Janeiro, num ato que só não virou escândalo ainda porque suas excelências são relativamente discretas; preferem atuar que se projetar, como fez o desavisado do Edmar ao exigir destaque na entrevista do presidente.

Não teve a expertise dos colegas; não percebeu que a hora era de afirmar valores altos, debater a crise financeira internacional. Possivelmente não tenha entendido até agora a razão de tanta indignação.

Não é absurdo crer na sinceridade da carta em que se diz "injustiçado". Não vê mal no que disse, já que todo mundo diz, nem problema no que faz, pois todo mundo faz.

Com um pouco mais de tirocínio, entretanto, ficaria agradecido aos pares que, dos males, mais uma vez preferiram o maior: deram ganho de causa à indecorosa prática parlamentar de preservação de mandatos minados.

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